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Educação e Mídia

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LUTO

Dimenstein foi o mais antropofágico dos educadores

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Gilberto Dimenstein foi para a educação, o que Oswald de Andrade foi para a cultura no Brasil. Talvez seja essa a melhor maneira de fazer caber em uma frase o impacto de sua personalidade. A definição de “jornalista e escritor”, como retratou a maior parte da mídia em função de seu falecimento, é a uma evidência cabal da incompetência intrínseca ao fazer jornalístico, e às limitações das palavras, diante de uma realidade que se impõe complexa. Talvez ele tenha sido muito menos jornalista e escritor do que gostaria; a extensão de seu pensamento e dos seus feitos nas áreas de educação e cultura transborda, líquida, para muitas outras, como o  pensamento político e, até, a construção de uma identidade nacional. Seu legado tem a potência do de Oswald - um vetor de influência em toda a arte, ou educação, que nasceria posteriormente.

Além disso, a comparação com o modernista vem de outros fatores. Primeiro, a irreverência das intervenções no “status quo”. Segundo, o grau de ruptura com movimentos antigos, sem deixar de lado sua herança. Terceiro, a capacidade de co-liderar movimentos e anseios, além de aglutinar pessoas. E, finalmente, quarto e mais importante: seu caráter antropofágico.

A Dimenstein, tudo poderia interessar: o popular ou o erudito. Era um comilão das tendências que vinham de fora (como o que trouxe da universidade de Columbia quando fundou a Cidade Escola Aprendiz), até a cultura judaica, paraense, baiana e paulistana da gema que fizeram parte do seu viver. Depois de deglutida, disparava a matéria como uma metralhadora de ideias, que geravam iluminação, confusão e, às vezes, ansiedade em sua interlocução. Não tinha apreço às métricas e rimas do parnasianismo da pedagogia; quebrava regras com prazer, e até um certo sarcasmo.

Nessa linha de pensamento, a criação da Cidade Escola Aprendiz, em 1997, teve um impacto como uma  “semana de 22”  na educação brasileira. À época um acontecimento compreendido por poucos; hoje, algumas vezes se vislumbra fundamental quando se pensa uma educação para o século 21. Um time multidisciplinar dava conta de um laboratório que misturava educação, comunicação, artes e comunidade. O mais ousado, parecia estranho como um haicai “oswaldiano”: por que trabalhar com alunos de escolas públicas e particulares juntamente? A quebra de paradigma do “assistencialismo” na educação, preponderante até então, era resumida por ele em poucas palavras: “a geografia da cidade já trata de fazer essa separação”.

Depois, outras iniciativas vieram amalgamar  ainda mais a cultura urbana de São Paulo com o resto do mundo, como o site Catraca Livre - gerido em Harvard. Dimenstein fora sempre consciente da incompletude do jornalismo; no Catraca, conseguiu dar vida à informação; como se ela ganhasse pernas e circulasse por canto da cidade. Acreditava na utopia saudável de uma cidade para se “flanar”, tal qual a Paris, de Edmund White. Certa vez, ele definiu isso como “jornalismo em 3D”.

A força de suas ideias e ações que habitam o imaginário político, raramente vieram à tona enquanto estava vivo. Gabriel Chalita, quando Secretário de Educação do Estado de São Paulo, disse publicamente que Dimenstein era uma espécie de “Secretário permanente” do cargo. O ex-senador Cristovam Buarque contou, de maneira privada, que Dimenstein o ajudara a conceber o bolsa-escola, política pública que marcou pelo menos dez anos da história do Brasil. George W. Bush fingiu escutá-lo na Casa Branca (EUA), como uma das lideranças importantes da América Latina, para desanuviar a então relação parca dos Estados Unidos com o bloco.

Muitos se questionam se tinha ele consciência de seu poder contra-cultural e político. Talvez sim. Talvez não quisesse ter. Talvez fingisse que fingia não ter. O fato é que se seu sobrenome não fosse tão distante da língua Portuguesa, seria justo transformá-lo em adjetivo no Dicionário Aurélio. Olhar “dimensteiniano”. Sinônimo de múltiplo, curioso e interessado. A única maneira tangível de demonstrar um legado dessa importância.

* Texto escrito por Alexandre Le Voci Sayad, jornalista e educador, diretor da ZeitGeist. É colunista de A Gazeta do Povo e da Revista Educação,  e autor do livro “Idade Mídia - A Comunicação Reinventada na Escola”, entre outros. Atualmente serve como chairman da aliança mundial da UNESCO para educação midiática (GAPMIL). É membro do conselho consultivo do programa Educamídia e do conselho científico da revista acadêmica Comunicar (Universidad de Huelva, Espanha).

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