Em tempos de euforia tecnológica, acompanha com frequência, instituições de ensino preocupadas com o discurso de formar cidadãos digitais. E, na maioria das vezes, pelo menos no ensino privado, vejo escolas tentando suprir tal necessidade a partir da inundação de salas de aula com aparatos tecnológicos. Resultado: por enquanto, as mesmas aulas expositivas – giz, quadro-negro, apresentação de slides e um tablado – só que agora mais “moderninhas”. Substitui-se o giz pelo mouse e o mouse pela caneta da lousa interativa; o caderno, coitado, por um tablet recheado de atrativos bem mais sedutores que a aula. Ou seja, aulas não pensadas para um ambiente de aprendizado com novas ferramentas e, consequentemente, investimento em sucata digital e contribuição para a obsolescência programada.
Acredito, sim, que a tecnologia pode trazer muitos benefícios à sala de aula, principalmente, por meio dos softwares que permitem uma interação maior do aluno e educador diante do conteúdo trabalhado. No entanto, é perigoso crer que apenas a estratégia de expor o conteúdo ao aluno por meio de ferramentas mais modernas seja o suficiente para a educação de um futuro cidadão atuante na sociedade contemporânea. Para que a escola consiga realizar um trabalho efetivo na formação de um aluno que seja capaz de interagir e utilizar de maneira proveitosa as TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação – no aprendizado e nas relações pessoais, é necessário pensar em dois eixos principais:
1º Formar um aluno capaz de ler e produzir com as múltiplas linguagens:
A revolução tecnológica facilitou o acesso, a produção e o compartilhamento da informação. Ao mesmo tempo, vive-se um período histórico marcado pela onipresença das telas multimídias, do hedonismo e do espetáculo. Desta forma, é essencial que o aluno tenha o contato, desde cedo, com as diferentes linguagens – audiovisual, teatral, literária, jornalística, publicitária, artes-visuais – para que se construa um olhar crítico e reflexivo em relação à informação, tornando-o capaz de ler, interpretar e interagir com a multiplicidade de meios. Uma das saídas seria propor estratégias que permitam o estudante a esmiuçar e produzir conteúdo por meio da fotografia, do cinema, da palavra escrita, da encenação, que consiga aliar o conteúdo necessário da sala de aula, mas sem perder o sentido de autoria e visão de mundo do aluno. Caso contrário, forma-se um aluno vulnerável à cegueira branca – sim, aquela escrita por Saramago no Ensaio sobre a Cegueira – causada pelo excesso de luz.
2º Não se preocupar em formar “cidadão digitais”, mas cidadãos:
Os ambientes virtuais não deixam de ser extensões dos espaços públicos, nos quais pessoas se relacionam a todo momento com pessoas de diferentes culturas e visões de mundos distintas. O aluno que agride o colega no intervalo e o motorista irresponsável no trânsito, provavelmente, também estão nas redes sociais, quem sabe, proliferando intolerância e violência ao próximo. Da mesma forma que, para muitos “certinhos” no ambiente físico, o virtual pode ser terra de ninguém, lugar onde se pode agredir sem ser punido. Portanto, é fundamental que a escola trabalhe com o aluno o cuidado que se deve ter com o próximo, respeitando as diferenças, para que seja possível, de fato, tornar os espaços físicos e virtuais em ambientes em que cidadãos, pessoas críticas e conscientes de seus papéis na sociedade, possam interagir de maneira saudável.
Resumo da ópera: mais do que formar “cidadãos digitais”, a escola precisa formar gente que respeite a diferença do próximo e que, a partir das inúmeras linguagens e ferramentas de comunicação, consiga ter voz ativa. Afinal, aprender a utilizar as ferramentas de comunicação que a tecnologia oferece é fácil, porém o difícil é ter o que dizer por meio delas.
>> Vinícius Soares Pinto é professor de Cinema e responsável pela Educação Digital do Colégio Medianeira, escola associada ao Sinepe/PR (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná). Formado em Publicidade e Propaganda, especialista em Comunicação, Cultura e Arte.
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