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Há uma questão importante que diz respeito às práticas e também às políticas públicas na área de educação e mídias. Para a cultura contemporânea, trata-se de um campo tão amplo que parece querer abraçar todas as questões da vida: da saúde, passando pela cidadania, política, educação e costumes. Afinal, respiramos em um cotidiano altamente midiatizado.
Assim, quando iniciamos as práticas na escola, qualquer aspecto que se levante nesse campo pode soar como uma panaceia, ou seja, um remédio milagroso para todas as auguras do dia-a-dia. Se o acolhimento de alunos se faz urgente, ou se a gestão educacional apresenta sinais de fragilidade ou mesmo se a escola deixa de aprovar alunos nas universidade, há uma tendência de pulverizarmos amplamente o ambiente com o “spray milagroso” das práticas e políticas da AMI (Alfabetização Midiática e Informacional) - como define internacionalmente a UNESCO. E assim tudo se resolverá.
Mas isso é uma armadilha. Ao contrário do que pode parecer, esse olhar mais enfraquece do que fortalece a AMI. Tentar dar conta de toda a complexidade do mundo contemporâneo (reforçando aqui o olhar de Edgar Morin para esse tema) é o primeiro passo rumo ao fracasso de qualquer iniciativa. É muito fácil se esquecer da preciosa pergunta que iniciou todo o processo de elaboração de um novo projeto na escola: qual é, de fato, o problema que preciso resolver?
Há também a tentação de posicionar a AMI como um eixo transversal ao ecossistema em questão, seja uma escola ou um município. Mais um problema à vista: os eixos transversais tendem à invisibilidade ou, ao menos, deixam de ser importantes na construção de uma solução educativa efetiva.
Os eixos transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados na década de 1990, por exemplo, apresentavam uma versão sofisticada do que se poderia construir na sala de aula. No entanto, foram pouquíssimas vezes colocados em prática… justamente por serem uma proposta transversal. Há, no caso, a falsa ilusão de que as questões dessa natureza de resolvem naturalmente. E acabam esquecidos ou colocados de lado.
Quando pensamos nas habilidades que contemplam a leitura, análise e produção de mídias na compreensão, livre expressão e exercício de cidadania, devemos pontuar até que ponto, e de que maneira, as ações respondem ao que procuramos. É o primeiro exercício importante para o educador ou gestor.
Para isso, os conceitos e processos do design são excelentes para gestores atacarem as questões de maneira precisa. Afinal, há de fato uma miríade de possibilidades sob o conceito guarda-chuva da AMI, seja como nos significantes da educomunicação, mídia-educação ou educação midiática. Como tais, possuem elementos estéticos, éticos, metodológicos, epistemológicos e pragmáticos.
Trago um exemplo prático da importância da escolha de abordagem: os alunos carecem de espaços de expressão na escola. O papel da educomunicação, como prática criativa e metodologia, parece ideal para a criação de projetos que abram espaço para a expressão dos alunos, como uma rádio.
As rádios ainda hoje são uma forma eficiente de circular informação de qualidade em locais do mundo em que a internet rápida e de qualidade não chega. A rádio escolar, em forma de podcast, cumpre alguns papeis da AMI, como o de colocar a expressão do estudante por entre os meandros da escola num projeto de autoria coletiva e colaborativa. Pode auxiliar também no desenvolvimento da língua e no pensamento e prática a cerca dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da agenda 2030 das Nações Unidas (ONU).
Cabe ao gestor resistir à tentação de abraçar o mundo e aproximar as linguagens mais evidentes na construção de projetos, como a língua portuguesa e a geografia.
Mais uma vez, os preceitos do design são fundamentais no desenvolvimento do projeto. Ao criar uma rádio escolar, é importante para estudantes, educadores e gestores passarem por processos que os estimulem a:
- Conhecer e explorar rádios on-line ao redor do mundo;
- Desenhar as características do público-alvo (conhecê-lo bem, inclusive com pesquisas que podem ser feitas pelos estudantes);
- Escutar profissionais do campo de radiodifusão;
- Desenhar a linha editorial;
- “Prototipar” diversas naturezas de programas;
- Submeter os protótipos ao público-alvo e avaliá-los;
- Experimentar e arriscar-se.
Antes da rádio ir ao ar, mais uma vez, traga à tona a questão: por que mesmo queremos uma rádio? Ao responder, talvez o processo tenha que ser refeito em parte, mas essa é uma das artimanhas que garantem a precisão do trabalho por design.
Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador, diretor da ZeitGeist e co-chairman internacional da aliança internacional da UNESCO em educação midiática, a UNESCO MIL Alliance. O autor colabora voluntariamente para o Blog Educação&Mídia.