Ouça este conteúdo
A vida de professor é realmente incrível e surpreendente! Frequentemente encontro com ex-alunos nos mais diversos lugares por onde ando, afinal de contas, estive em sala de aula por mais de 20 anos como professor de Física no Ensino Médio e Cálculo Diferencial e Integral no Ensino Superior. Porém, há duas semanas o conteúdo de mais um desses encontros me chamou a atenção.
Ao me deparar com um ex-aluno, lá do ano de 2014 (quando estivemos juntos no ano letivo em que ele era calouro de engenharia), perguntei como ele estava, em que área profissional atuava e como tinha sido a experiência ao longo dos cinco anos do curso de engenharia. A resposta à última pergunta foi bastante contundente. Ele respondeu, de forma simples e clara, o seguinte: da universidade eu saí com muito que estudei e com pouco que sei fazer! Não preciso nem dizer que fiquei bastante reflexivo com a resposta dele e, em minha mente, eu sabia exatamente do que ele estava falando.
Saí daquela breve conversa realizando diversas interpretações acerca daquele comentário. Realizei, numa espécie de efervescência de ideias, uma lista de pontos de vista, a fim de entender o relato do meu aluno que, mesmo não sendo da área educacional, denunciava em suas palavras que tinha sido um participante assíduo de uma estrutura que privilegiava o ensino em detrimento à aprendizagem. Que foi sujeito passivo de um formato educacional projetado para alunos que se conformam. Aquele que impõe o ritmo diário do paradigma da instrução que herdamos da escola prussiana, na qual um aluno luta, ao longo de um ano, por uma palavra: aprovado. A qual, aqui entre nós, não é sinônimo de “tudo aprendido”.
No mês de abril de 2021, a Unicef divulgou um documento que apresenta o cenário da exclusão escolar no Brasil. Ao analisar os dados desse relatório é possível encontrar, por exemplo, a seguinte informação: 240.545 adolescentes com idade entre 15 e 17 anos dizem que o motivo pelo qual não frequentam a escola se deve ao fato de não terem interesse em estudar.
Agora eu pergunto: quais motivos levaram a escola a ser desinteressante para esses adolescentes? Tendo em vista que a Unesco, em 1999, elaborou uma espécie de chamado para a educação do futuro com quatro pilares para a educação do Século XXI, que definem os aprendizados considerados essenciais para que alunos da educação básica possam se desenvolver cognitivamente e socialmente (são eles o aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser), será que nada disso interessa ou não faz parte do cotidiano escolar?
Considerando que esse futuro ficou no desejo do passado, será que não deveríamos incluir mais três pilares, principalmente na visão de uma instituição de ensino que pretende ousar e mudar de forma inovadora e criativa? Aprender a desaprender (para poder aprender novas formas de abordagens, metodologias e tecnologias aderentes às demandas dos nossos tempos). Aprender a desobedecer (às normas que insistem em prescrever a fazer o que é normal, o que não funciona mais). Aprender a desaparecer (para que alunos possam, na medida certa, ganhar autonomia e adotar o lifelong learning para os diversos desafios de uma vida).
Há vários anos discute-se a evolução e os possíveis caminhos para a inovação da educação. Ao redor do mundo, centenas de especialistas se reúnem em busca de soluções para reinventar a maneira de ensinar e, assim, melhorar o aprendizado dos alunos. Afinal de contas, o que mais importa na educação é a aprendizagem, no seu mais amplo sentido.
O modelo do ensino tradicional, aquele que carrega consigo elementos instrucionais (aula, turma, grade curricular e outros ingredientes que se mostram obsoletos e ineficazes), tem sido bastante provocado, em todos os seus segmentos educacionais, para que realize uma espécie de migração forçada de um mundo analógico para outro que promove modelos dinâmicos de aprendizagem por meio da incorporação de novas metodologias, muitas vezes aceleradas por tecnologias educacionais emergentes.
Diante dessa nova realidade, abre-se uma extraordinária janela de oportunidade para a prática do Blended Learning. Termo que, em livre tradução, podemos entender como aprendizagem misturada ou aprendizagem a partir da combinação de diversos elementos. Aqui vale a pena chamar a atenção de que esse formato vai muito além da expressão da moda, o tão falado ensino híbrido. O hibridismo na educação é bem mais poderoso do que a simples opção ou permissão para ficar em casa ou ir à escola nos momentos em que determinada atividade acontece. Bem mais importante que o local onde a “aula” acontece é o que está sendo feito em cada ambiente, físico ou digital, para que a aprendizagem efetivamente ocorra. Precisamos ficar atentos à forma míope e rasa com que esse modelo tem sido propagado por falsos especialistas em educação e outros profissionais, no dia a dia das notícias e decisões dos mais diversos ecossistemas educacionais.
Sob a luz da aprendizagem combinada é possível perceber um cenário bastante complexo e, ao mesmo tempo, muito rico, quando nos colocamos no lugar dos professores no exato momento em que se concentram para o preparo desse grande encontro (aula) entre os alunos e o professor. É como se os docentes, acelerados pelo aprendizado que todos tiveram durante a pandemia e seus desdobramentos, tivessem em mãos uma grande caixa com peças de Lego quando do preparo da aula. Isso mesmo, peças de Lego! Afinal de contas, esse é o brinquedo mais incrível já criado pelo homem, pois não é brinquedo pronto. São peças que podem ser combinadas, sem engessamentos e com muita criatividade, a fim de que o resultado seja tangível e que tenha significado.
Sendo assim eu posso afirmar: não existe aula pronta! A possibilidade de combinar a experiência de cada professor, a partir da sua formação e trajetória profissional, o conteúdo a ser trabalhado, a metodologia a ser explorada, a possível tecnologia a ser incorporada como ferramenta, a idade e o segmento de cada aluno e a cultura da sua instituição, são as peças de Lego a serem misturadas, com muita lucidez e inteligência para que a aprendizagem aconteça. E, além de todas as peças citadas anteriormente, há aquelas que não podem faltar e devem ser usadas sem moderação: a humanidade por meio do afeto, da empatia e do carinho. Afinal de contas, a educação tem como premissa básica a relação entre pessoas. Portanto, essa relação precisa, mais do que nunca, ser acelerada com todos esses ingredientes que formam um combustível de alta octanagem, a fim de levarmos a educação do nosso país para um outro patamar. Que desperte o interesse, que inclua a todos e que promova a aprendizagem.
José Motta Filho é engenheiro, professor, gestor educacional, especialista em Principles of Technology e Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação, Co-Fundador da Moonshot Educação, Diretor Educacional da Silicon Valley Brasil, Head of Edtech das Startups Beenoculus e Beetools, Advisor do Circuit Launch Program no Vale do Silício (USA) e colabora voluntariamente com o Blog Educação & Mídia.