Os terraplanistas – quem crê que nosso planeta seja chato – ainda existem. Recentemente tentaram promover nas redes sociais um cruzeiro de navio, para desmentir o que é comprovado cientificamente desde o século VI a.c. Mas o capitão desistiu da aventura, com medo de despencar de um precipício à “borda do mundo”.
Quando avaliamos de perto o estrago que fragmentos de desinformação como esse têm feito à sociedade, o engraçado vira grotesco. Basta checar as consequências sociais dos boatos sobre os riscos da vacinação, por exemplo: o Brasil está prestes a perder o título de imunidade ao sarampo.
A grande inimiga das notícias falsas, e também seu principal alvo, é a Ciência. O discurso científico enfrenta hoje uma verdadeira crise de credibilidade. Estamos, afinal, submersos em cenários propensos à manutenção da ignorância: bombardeados por informações que se colocam como verdadeiras, repassadas por amigos, fechados em bolhas digitais; assim, quase que convencidos a abandonar a necessidade de checagem, reflexão crítica, ou consulta às nossas próprias referências. Há o ecoar de um mantra perigoso no inconsciente coletivo: “a Ciência pode ser uma mentira, a Ciência pode ser uma mentira (…)”. Parece-nos até que a burrice entrou na moda.
Por mais que muitas vezes associemos o fenômeno das fake news a fatos do contexto político ou social (como na impulsão do Brexit no Reino Unido, ou no papel da Rússia na eleição de Donald Trump), o que é colocado em cheque é sempre a história, a pesquisa, a comprovação e a narrativa científicas que há por trás de tais fatos.
Como consequência, as notícias falsas atingem em cheio a escola, laica e universal, e seu propósito do desenvolvimento do pensamento crítico. O professor, frente ao poder exponencial das redes sociais, encontra-se muitas vezes vulnerável e com a credibilidade questionada. O desafio mais atual é a quantidade e qualidade de informação a ser gerida no chão da sala de aula (aquela que vem do aluno, das mídias, do livros didáticos, ou da fofoca no quarteirão). Há uma crise deflagrada; e também uma oportunidade para quem acredita em transformação.
Apropriar-se das ferramentas e tecnologias disponíveis para promover uma educação para a leitura das mídias não é uma ideia nova – e pode ser um caminho efetivo. Há uma miríade de ações nesse campo que podem proporcionar clareza, debate e compreensão. A BNCC (Base Nacional Curricular Comum) do Ensino Fundamental, por sua vez, pavimenta uma estrada de possibilidades ao incluir o campo “jornalístico – midiático” a ser explorado.
Isso não significa apenas ler notícias em sala de aula, mas mergulhar no debate e utilizar a criatividade para a produção de mídias pelos estudantes. De fato, há nessa jornada do educador uma nova narrativa a ser criada que envolve a Ciência e as Linguagens.
A “verdade”, vale lembrar, é um mito, um diamante complexo. Mas isso não quer dizer que não deva ser perseguida. Apostar em um caminho único para sua compreensão é, sim, sempre uma escolha equivocada. Por isso, escrutiná-la é um exercício necessário para que a sociedade não fique vulnerável a discursos populistas, ideias simplórias ou movimentos perigosos; o universo da Ciência e educação, como vítimas preferenciais das notícias falsas, me parecem que devem liderar as ações para a compreensão e clareza da leitura do mundo que nos cerca.
* Texto escrito por Alexandre Le Voci Sayad, jornalista e educador e trabalha há vinte anos com temas de educação para a mídia e inovação. Cursou especialização em negócios pela Universidade da Califórnia / Berkeley e é fundador de três ONGS e duas empresas na área. Atualmente é diretor da consultoria ZeitGeist e membro diretivo da aliança GAPMIL, de educação para a mídia da UNESCO/ Paris. É autor de livros, dentre eles “Idade Mídia – A Comunicação Reinventada na Escola” (Editora Aleph). Mais informações: alexandresayad.com
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