Por que, antes de começar a escrever esse texto, eu quis jogar mais um pouquinho de Temple Run – joguinho de celular que tomou uma parte razoável das minhas férias? Por que, antes de começar a escrever esse texto, eu inventei mil desculpas e entrei nas redes sociais, passeei pelas páginas dos jornais, chequei e-mail duas vezes, li notícias do meu time?
“A danada da preguiça pode ser uma doencinha / que pega nos adultos / e também nas criancinhas”, já diziam os sábios do excelente grupo de música para crianças, o Palavra Cantada.
Em época de fim de férias, uma reflexão sobre a preguiça – mesmo que preguiçosa – faz sentido. Quando recebi o prazo para a entrega desse texto, pensei: por que eles me pedem um texto? Não seria mais legal se pedissem para eu fazer 100 milhões de pontos no Temple Run, ou que eu gastasse esses 30 minutos lendo a timeline dos amigos no Facebook e verificando se ninguém havia me cutucado? Por que justamente a escrita de um texto – algo que me faz ter de sair da inércia bendita das férias, me obriga a pensar, a concatenar ideias, a dizer coisa com coisa?
…
A ficar por algum tempo parado esperando a próxima ideia?
…
Exageros acima à parte fiquei pensando nas diversas formas do prazer e em como o prazer da exploração e produção intelectuais exige de nós uma força que o mundo do entretenimento contemporâneo está longe de exigir. Daí a pensar na escola e no aluno dentro dela não é algo absurdo.
O adolescente de férias tem muitos apelos para a diversão descompromissada, que passa longe de professor, escola, esforço: o videogame, o sono até o meio-dia, a TV ligada falando para ser ouvida de vez em quando (aqui uma aproximação com o professor), o filme do momento, o banho de mar, a internet, a conversa sem rumo com os amigos, cheia de risadas desafinadas e deliciosas, os namoros eventuais. E et ceteras não faltam, sobretudo pensando na parceria prazer/adolescência.
Sair desse mundo e entrar de cabeça em uma sala de aula para revisar conteúdos, resolver novos exercícios, compreender melhor o passado histórico, ler alguns clássicos da literatura, entender como a nossa galáxia e o nosso corpo são formados, elaborar pesquisas, dissertações, dar sentido intelectivo às leituras, tudo isso não tem nada a ver com o mundo do dolce far niente típico das férias.
O que talvez o aluno precisa entender – e eu também – é que ambos podem ser fonte de prazer, mas que, lamento informar, o prazer da produção intelectual jamais será igual ao prazer descompromissado, no estilo “deixa a vida me levar / vida leva eu”. O prazer intelectual exige uma autoria que o prazer do mero espectador da vida não exige. Este último é um prazer fácil, de desfrute imediato e praticamente sem consequências futuras (a não ser um eventual vício por esse tipo de prazer, que se quer exclusivo). O outro tem caminhos mais difíceis, tortuosos, porém mais consistentes, dão substância à nossa passagem pelo mundo, produzem sentido capaz de dialogar com o universo de sentidos da comunidade.
Você certamente saberia me dizer a diferença entre vencer uma partida de futebol por 14 a 1, com olés de todos os tipos, e vencê-la por 8 a 7, na prorrogação, com 4 viradas espetaculares. E talvez concorde comigo que, terminado o jogo, o prazer da segunda vitória possa ser maior.
Você pode também ter muito prazer em ler livros de magos e vampiros. É o prazer da goleada de 14 a 1. Por outro lado, ao ler Os irmãos Karamázov, por exemplo, você sofre, você xinga, você lê 500 páginas e quase desmaia quando vê que faltam outras 500, mas não tem bola perdida, são carrinhos e cabeçadas a todo instante, até que chega trêmulo às últimas páginas e, quando finalmente termina, sabe que atravessou um rio que o transformou em outra pessoa.
Portanto, a todos aqueles que terminam suas férias, talvez esse post sirva de consolo: o esforço pode dar prazer. E, quando dá, esse prazer é de uma ordem e qualidade mais intensas e duradouras.
Pra ninguém dizer que eu estou muito Esopo e apenas dou outros nomes à cigarra e à formiga, em minha defesa afirmo que ganhar por 14 a 1 é muito bom também. Só que não exclusivamente.
Agora que terminei esse texto, posso dizer: tive mais prazer em concluí-lo do que se tivesse ficado essa meia hora esperando cutucadas nos Facebook.
>> Cezar Tridapalli é coordenador de Midiaeducação do Colégio Medianeira, instituição de ensino associada ao Sinepe/PR (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná)
>>Quer saber mais sobre educação, mídia, cidadania e leitura? Acesse nosso site! Acompanhe o Instituto GRPCOM também no Facebook: InstitutoGrpcom
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS