Há pouco mais de duas décadas, no início dos anos 2000, o escritor e educador Marc Prensky usava pela primeira vez os termos que ganhariam grande notoriedade no cenário educacional: nativos e imigrantes digitais.
Essa nova geração de “nativos digitais”, teria desenvolvido habilidades muito mais complexas e que poderiam ser resumidas em três pontos principais: a multifuncionalidade, a impaciência e o senso de coletividade. Segundo essa teoria, a onipresença das telas havia modificado todo o funcionamento dessa geração e essas crianças e jovens teriam tanta facilidade no manejo das tecnologias e ferramentas digitais que poderiam ser consideradas especialistas.
A aceitação ocorreu de forma muito rápida no cenário educacional, afinal, tudo fazia muito sentido, pois estávamos em busca de respostas sobre a falta de motivação dos estudantes, os resultados de aprendizagem insatisfatórios e a dificuldade de relacionamento entre as gerações.
Acontece que, com o passar do tempo, a promessa dos “nativos digitais” não se cumpriu. Em sua obra denominada “A fábrica de cretinos digitais” (2021), Michel Desmurget, pesquisador francês e especialista em neurociência cognitiva, questiona a existência real dos nativos digitais, já que, analisando o comportamento da geração atual, não encontramos traços como autonomia no aprendizado e senso de coletividade bem desenvolvidos e nem mesmo um grande domínio das ferramentas digitais. Nossos “gênios” das redes sociais, na maior parte das vezes, não dominam os editores de texto básicos, não sabem criar uma planilha e nem mesmo realizar uma boa busca na internet.
Alguns outros dados corroboram com a visão de Desmurget. Por exemplo, se essa geração deveria, apenas pelo contato precoce com as tecnologias, dominá-las de forma tão efetiva, como explicar o fato de que quase metade (43%) dos estudantes brasileiros com idade entre 11 e 17 anos acredita que o primeiro resultado em uma busca é o mais confiável? (TIC Kids Online, 2022). Esse dado por si só já revela um grande desconhecimento dessa parcela de adolescentes sobre o funcionamento do mundo digital, se somado à dificuldade de interpretação de textos, já que apenas 1 a cada 10 brasileiros com idade a partir de 15 anos é considerado proficiente em leitura (INAF), temos aí a representação de um grande problema.
Não se engane ao imaginar que esse cenário é uma preocupação de exclusividade brasileira. Desmurget expõe em sua obra diversos dados de países mais desenvolvidos, citando inclusive relatórios da Comissão Europeia e de universidades de prestígio internacional, como Stanford, nos Estados Unidos. O problema se estende a todos os continentes. Não é à toa que no seu relatório mais recente (2024) o Fórum Econômico Mundial (WEF) elencou a desinformação como o maior desafio para humanidade nos próximos 2 anos.
Bem, se não estamos diante de uma geração de nativos digitais, podemos dizer que essa é uma geração de... cretinos?
Neste ponto, considero a visão de Desmurget um tanto radical. Que tal aderirmos então ao termo “inocentes digitais”, defendido por alguns outros autores?
A realidade é que temos uma geração com um acesso à diversas ferramentas e tecnologias que nós, há 20 anos atrás, talvez nem imaginássemos que pudessem ser possíveis, porém com pouquíssimo preparo e senso crítico para fazer o melhor uso desses recursos. O tempo conectado dedicado a atividades recreativas, como jogar ou assistir vídeos é 13 vezes superior ao tempo dedicado para atividades escolares.
Mas então, está tudo perdido? Como otimista incurável, me recuso a acreditar que sim. É aí que entra a importância da Alfabetização Midiática e Informacional e da Educomunicação, campos interdisciplinares que consistem basicamente em preparar as pessoas para interagir de forma crítica e responsável com as mídias e com a informação, além de usar essas tecnologias comunicativas para se expressar e exercer a cidadania. No fim das contas, essas não são algumas das urgências da educação deste século?
Na era da Inteligência Artificial, em um mundo onde o online e o offline já são quase indissociáveis, acreditar que é possível banir o uso de tecnologias na educação além de irreal, seria um retrocesso. O que precisamos de fato é rever o uso, estar cientes dos riscos do exagero e formar nossas crianças e jovens para o uso responsável, estratégico e produtivo dessas ferramentas.
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