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No conto “Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges, o personagem homônimo leva uma pancada na cabeça e a partir daí não esquece mais nada que lê, vê, ouve, sente. Sua memória capta tudo, todas as informações visuais, auditivas, sensorias, mesmo sem querer. Ainda que olhe de relance para uma árvore, sua memória capta o desenho da folhagem dela e, assim os sonhos de cada dia podem ser resgatados facilmente sob o formato de uma nuvem.

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Diante dessa overdose de informações, ele fica incapaz de pensar, porque pensar é fazer escolhas e para Funes, nada é esquecido, tudo está guardado, tudo é importante. Incapaz de pensar, ele torna-se incapaz de agir. Acaba por morrer, talvez entupido, de tanta informação.

Essa poderia ser uma boa metáfora para o que vivemos hoje e que a Organização Mundial da Saúde – OMS chama de Infodemia ou uma pandemia, um excesso de informações, precisas ou não, que acabam por dificultar o encontro de fontes idôneas e confiáveis. Isso acaba por favorecer o aparecimento de boatos, desinformação e informações manipuladas, fato potencializado pela internet e rapidez com que tudo circula nas redes sociais.

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Porém, além de Infodemia, outros termos e conceitos já vinham sendo divulgados por pesquisadores das áreas de comunicação, psicologia, medicina e ciências sociais para indicar que o excesso de informação estava deixando marcas na saúde das pessoas.

O arquiteto e designer gráfico Richard Wurman, criador das conferências TED, em 1989 e ainda sem Orkut, Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp, Youtube ou Google lança o livro “Ansiedade da Informação”. Ele afirma que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com sua aparente incapacidade de entender a explosão de dados no mundo, especialmente quando o que mais se fala é que informação é poder.

Na década de 90, o físico catalão, Alfons Cornella alerta que estaríamos vivendo uma Infoxicação ou uma intoxicação advinda do bombardeio e excesso de informações ao qual as pessoas estão sendo submetidas no mundo digital, o que dificulta uma “digestão”. E para continuarmos na metáfora de alimentação, Clay Johnson, mais conhecido por ser o criador da empresa que gerenciou a campanha online de Barack Obama à presidência dos EUA, nos provoca a refletir sobre o consumo de informações, no livro A Dieta da Informação. Igualmente, Aguaded e Romero-Rodriguez defendem uma infodieta ou ecologia dos meios alternando momentos de desconexão.

Afinal, o que andamos a digerir? Estamos sabendo equilibrar nosso “prato”? Há quem diga que estamos todos “Info-Obesos” em meio a este Infocalipse, como sugere o engenheiro formado no MIT, Aviv Ovadya. Ele não só previu uma crise de desinformação que ameaçaria a democracia (logo depois Donald Trump foi eleito), como uma crise existencial, porque segundo Ovadya, em entrevista ao UOL, em 30 de maio de 2018, o aumento de desinformação gera uma importante reação: “a fragmentação da realidade, com um sentimento de incompatibilidade e incompreensão dessa realidade e a apatia, que é o momento em que as pessoas desistem de tentar dizer o que é real”[1], algo que talvez já tenha sido experimentado por muitos de nós, especialmente em tempos de grande polarização.

A ansiedade provocada por esse excesso de informações ou a necessidade de ter muitas informações tem entrado pela porta dos consultórios de psicologia. O psicólogo britânico David Lewis[2] criou o termo "síndrome da fadiga informativa" para nomear as atitudes de ansiedade, paralisação e dúvidas que aparecem em nos pacientes quando eles se deparam com tantos estímulos que não dão conta de processar. E os problemas não acontecem apenas com adultos. A “Telite” é uma doença que já começa a ser diagnosticada pelos pediatras e significa “o uso prolongado e excessivo das telas de televisão ou digitais por crianças e adolescentes com alterações no desenvolvimento cerebral e mental.”[3]

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Por banal que isso possa parecer, não podemos negar que precisamos de conhecimento, mas não podemos sustentar uma perspectiva de conhecer e saber tudo. Precisamos de um mapa, uma bússola para navegar neste mar de dados; saber transformá-los em informações e, em seguida, transformar as informações em conhecimento, dar sentido e significado a essas informações em nossas vidas.

O caminho para nos livrarmos da ansiedade gerada pelo excesso de informação e desinformação, talvez seja aprendermos a ler o mundo no sentido original da palavra em latim, legere, que significa colher, recolher, apanhar, escolher. Ler a palavra, a imagem, o texto, o mundo, é fazer escolhas. Caso contrário, padeceremos como Funes:  sem selecionar, sem esquecer, sem pensar, sem agir, ou seja, infoxicado!

Cristiane Parente é jornalista, professora, sócia-diretora e fundadora da Iandé Comunicação e Educação. Doutora e pesquisadora em Comunicação; Mestre em Comunicação e Mestre em Educação (Alfabetização Midiática Informacional e Educomunicação). É sócia-fundadora da ABPEducom – Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação.

[1] https://www.uol/noticias/especiais/ele-previu-o-apocalipse-das-noticias-falsas.htm#tematico-2

[2] https://istoe.com.br/139296_INTOXICADOS+DE+INFORMACAO/

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[3] https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/pediatras-alertam-para-uso-indiscriminado-da-internet/