O ano era 2014. Meu 21º ano como professor. Física para o Ensino Médio e Cálculo Diferencial e Integral para calouros de engenharia no Ensino Superior. E o que aconteceu de especial nesse ano? Apareceram em mim muitas dores. Sensações incômodas que eu não havia percebido até então. Pelo menos não com a intensidade sofrida nesse primeiro bimestre letivo. E que dores eram essas? Puros reflexos de posturas e atitudes de alunos que, a meu ver, tinham pouquíssimo interesse e motivação para estudar e se preparar para o futuro no mundo do trabalho. Não se engajavam o quanto eu esperava, não se empolgavam com as minhas extraordinárias exposições sobre Eletrodinâmica, Eletromagnetismo e Física Moderna. Tampouco com as incríveis lições sobre Limites, Derivadas, Integrais e Equações Diferenciais.
Parecia que todas as estratégias, os storytellings e as trilhas de aprendizagem que sempre usei, e que me trouxeram um certo sucesso nessa relação diária entre mim e os meus alunos, não faziam mais sentido, não eram mais eficazes, não impactavam o quanto eu gostaria. E olha que eu gastava uma grande energia para realizar uma maravilhosa narrativa sobre os meus slides em power point e sobre cada exercício resolvido no quadro de giz. Exercícios estes que, às vezes, precisavam de mais de um quadro inteiro para serem resolvidos. Eu achava lindo chegar à resposta final desse extenso conjunto de pensamentos e símbolos. E os meus alunos, a maioria deles, não viam beleza alguma. Na verdade, muitos até estavam assustados com tudo aquilo. Estou certo de também sentiam dores. E essa quase inexistência de prazer em querer aprender algo novo, por parte dos meus alunos em minhas aulas, fazia com que eles se afastassem cada vez mais de mim e, principalmente, desse conteúdo árido e difícil para a maior parte deles.
Porém, em um dia ainda no primeiro bimestre de 2014, quando cheguei em sala para dar mais uma maravilhosa aula de Cálculo – pelo menos para mim as minhas aulas eram maravilhosas – algo diferente estava acontecendo: a maioria dos alunos estava ao redor de um deles que apresentava algo com o qual estavam se divertindo muito. E, quando cheguei perto e vi o que estava acontecendo, percebi que se encantavam e vibravam com um aplicativo de smartphone que era capaz de reconhecer símbolos matemáticos – uma equação a ser resolvida, por exemplo – e resolver com muita rapidez o que estava proposto. Num piscar de olhos a resposta estava na tela. E o dispositivo mostrava, também, o passo a passo e as explicações sobre o conteúdo por trás daquele exercício.
Notei, naquele pequeno espaço de tempo em que fiquei próximo deles, que todos estavam alegres e sentindo um certo prazer com tudo aquilo. Um aplicativo e uma tela touch screen eram, naquele momento, bem mais atrativos e aderentes ao mundo deles do que a minha aula obsoleta, ultrapassada e essencialmente expositiva. E, nessa mistura de sentimentos e pensamentos, realizei uma reflexão ainda mais profunda. Procurei resgatar qual era o meu propósito como professor em pleno século XXI. O que realmente eu estava construindo para a verdadeira formação do meu aluno quando eu ficava, aula após aula, diante do quadro negro, resolvendo exercícios e mais exercícios que já sabíamos a resposta? Afinal de contas, cada exercício que eu escolhia para resolver em sala, ou que eu deixava de tarefa de casa, já tinha sido resolvido por centenas de professores e por milhares de alunos. Nós já sabíamos a resposta. E por que é que eu precisava resolver novamente algo que já tinha sido resolvido? Por que é que eu tinha que perpetuar essa inércia educacional do Ctrl-C/Ctrl-V com os meus alunos se no mundo, fora do colégio e da universidade, há muitos problemas que ninguém resolve?
Eu percebi que esse mindset da velha escola, recheada de conteúdos de gente morta e práticas educacionais antiquadas, não faziam mais sentido para a educação do presente e do futuro. Eu precisava fazer algo, virar a chave, pensar fora da caixa. E assim o fiz: saí da minha zona de conforto e fui explorar novos conceitos e conversar com educadores que já faziam movimentos diferentes daqueles que eram praticados por mim.
Me surpreendi quando percebi que o mundo havia avançado a passos largos em termos de novas abordagens e ferramentas – e que eu havia parado no tempo do giz, do poderoso discurso e do passador de slides. Fui bombardeado por alguns poucos professores, colegas de profissão e amigos do corre-corre diário, quando se mostraram incrédulos ao saberem que eu ainda não havia adotado elementos de learning by doing, big data, gamification, internet of things, artificial inteligence, virtual reality, active learning e cultura maker em minhas aulas. Principalmente por que eu era um professor de Física para adolescentes e de Cálculo para futuros engenheiros. Confesso que me senti jurássico e certo de que algo precisava ser feito. Aquelas provocações me deixaram muito incomodado.
Em minhas palestras e workshops para educadores de todo o Brasil, costumo dizer que nós – Professores – somos tais como o Batman. Afinal de contas ele é o único super-herói que não possui superpoderes. Em compensação, ele possui um extraordinário “cinto de utilidades”. Uma espécie de caixa de ferramentas que lhe permite resolver os problemas e as enrascadas de cada episódio.
E você – professor(a) que está hoje em sala de aula – tem superpoderes? Lhe pergunto isso porque sou professor e não tenho superpoderes. E sabe o que eu fiz? Fui atrás de novas ferramentas para as minhas aulas. Fui buscar novos caminhos e significados para a minha prática profissional. E lhe digo: foi incrivelmente transformador. Para mim e para os meus alunos.
E agora eu te pergunto, professor(a) que chegou até aqui nesse meu “relato de um professor convertido”: como está a sua caixa de ferramentas? Caso ela ande meio capenga, aceite a minha sugestão de equipá-la. Você irá se surpreender!
* Texto escrito por José Motta Filho, engenheiro, gestor educacional, especialista em Principles of Technology, Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação e Consultor em Metodologias Ativas de Ensino, Inovação Educacional e Tecnologias Educacionais.
Atualmente é Community Connector da Singularity University [Curitiba Chapter], Head of Edtech na Beenoculus e Head of Active Learning na Beetools – Startups que promovem e utilizam Realidade Virtual, Inteligência Artificial, Big Data, Gamification e Adaptative Learning na Educação. E, também, é Head of Active Learning na Drone Kids School – Startup que utiliza Drones para explorar os elementos do STEAM e o Learning By Doing com alunos da educação básica.
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