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A inclusão dos adolescentes trans – transexuais e travestis – no sistema escolar figura entre os assuntos mais espinhosos da temporada. Não é novidade, em absoluto. Sempre tivemos trans entre nós, a questão é que parecia haver uma resposta pronta para o fato de que não apareciam na lista de chamada. Na medida em que avançava na “construção do corpo”, o aluno abandonava os estudos. As razões não são difíceis de listar.
A afirmação de uma identidade sexual de difícil compreensão por parte dos pais levava, via de regra, ao pior dos desfechos. Rompidos com a família, essas pessoas saíam de casa, conheciam uma espécie de clandestinidade, inclusive emocional. Sem formação e sem meios de se manter, restava-lhes a exploração sexual. Em boa parte esse quadro costumava – e ainda costuma – ser agravado por uma espécie de falsa verdade: vistas como hiperssexualizadas no imaginário, muitos tendem a achar que as esquinas escuras é uma escolha delas. Os depoimentos das mulheres trans desmentem e lamentam esse estigma, sem muito adianto.
Por essa lógica cruel, as trans não estavam na escola porque não estavam em casa, com os seus. E sim, porque estavam nas ruas. Mas o cenário tende a mudar. Não há estatísticas seguras, como tudo que se refere a esse assunto. Mas se pode dizer com relativa segurança que os avanços do movimento social – que recebe os rejeitados pela família –; do sistema de saúde – que respeita o “nome social” – e a própria família – que desfruta de mais informação – permite que cada vez mais se encontrem adolescentes trans na lista de chamada e nas faculdades.
Resumo da ópera – se antes, maciçamente, a família era a primeira negligente, agora a culpa passa a ser repartida com a escola. Para surpresa, o sistema de ensino também não sabe como lidar com o assunto, não raro com medo de enfrentar os preconceitos religiosos que o assunto gera. É uma ironia. Aumenta o número de pais e mães que entendem a sexualidade de seus filhos e filhas, mas o mesmo não se repete entre os professores.
Em nome da burocracia escolar – ou da própria ignorância velada – o ensino resiste ao uso do nome social, refere-se às trans sempre entre aspas ou volta e meia burla o combinado, colocando o nome civil da aluna no mural, por exemplo. Ora – Carlos Alberto Richa pode se candidatar ao governo do estado como “Beto” Richa, mas um adolescente trans não pode ter o nome que escolheu.
Se parecer exagero, basta conferir os mais de 70 fichamentos feitos pela ativista Carla Amaral, no Centro de Pesquisa e Atendimento para Travestis e Transexuais, o CPATT, ambulatório para pessoas trans criado pela Secretaria Municipal de Saúde. A maioria dos que procuram o serviço reclama da incompreensão da escola – incluindo as faculdades – e do mundo do trabalho. De forma vexatória, essas mulheres têm de explicar o tempo inteiro, para pessoas diferentes, quem são e o que fazem, como se fossem criminosas.
Nem quem cumpre a condicional precisa passar por tantos constrangimentos. “Nunca saberei se não consigo emprego porque não tenho capacidade ou porque sou trans”, declarou à Gazeta do Povo a analista de sistemas “K.”, em reportagem publicada no último dia 18.
Ano passado, tive a oportunidade de acompanhar o projeto “Educação Trans”, ao lado das alunas Marina Mori e Mariana Ceccon, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná. Contamos com a tutoria do premiadíssimo jornalista Mauri König, conhecido por seus trabalhos em prol dos direitos humanos. O trabalho foi o primeiro colocado no prêmio Fernando Pacheco Jordão, do Instituto Vladimir Herzog, para jovens jornalistas. Fomos a campo, durante três meses, com uma tese a ser comprovada: o bullying escolar expulsa adolescentes trans do ensino e os joga na prostituição.
Tese comprovada, mas também, questionada. Encontramos mais trans nas escolas, apoiadas pela família, e protelando a mudança do corpo, de modo a evitar a pressão dos colegas e dos professores – “eu sei o que você é”, disse a uma delas um mestre, com o dedo apontado.
Percebemos que muitas concluíram o ensino médio, demorando 2-3 anos para retornar, dessa vez para a vida universitária, já com outra identidade. O grau de escolaridade do grupo trans aumentou, o que gera uma pressão sobre a sociedade. As demandas são muitas e óbvias: a educação precisa aprender a respeitar na marra essa identidade, apontando caminhos para o mundo profissional – que não pode mais teimar e aceitá-las apenas na função de cabeleireiras, quando muito. Não só: a mudança de nome civil não pode mais ficar alienada à operação de mudança de sexo. O “nome social” é um mal necessário, um paliativo, nunca um objetivo. Assunto nosso? Sim.
A conversa começou. Queiram os deuses que não seja a escola a vilã da história.
>> José Carlos Fernandes é jornalista da Gazeta do Povo e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná – UFPR. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.
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