Sala de aula, cerca de 60 mulheres (negras, jovens, idosas, brancas, uma transsexual e uma deficiente) participam de uma atividade de análise crítica da mídia. Caminhando para o final do encontro, uma das mediadoras pede que as luzes sobre a tela de projeção sejam desligadas, para maior nitidez das imagens projetadas. O pedido não é acatado. Desatenta ao motivo da recusa da solicitação, a mediadora pede outra vez que a sala fique mais escura. Porém, desta vez, em um tom mais enfático, outras vozes repetem a mesma explicação. A baixa luminosidade na sala não permite que seja possível a transmissão de informação entre a intérprete de libras e a jovem com deficiência auditiva, que esteve naquela sala nas últimas uma hora e vinte minutos.
Nesta cena, eu sou a mediadora, que sentiu a súbita vontade de pedir desculpas à jovem, que me deu praticamente um soco no estômago ao me fazer ver o quanto é fácil sermos excludentes em processos de educação. Há um abismo entre a teoria e a prática de uma educação inclusiva e ele piora nos contextos de projetos sociais. Decidi, portanto, que neste post compartilharei as reflexões que me sucederam após este episódio ocorrido entre as paredes da sala 202 do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná, na atividade que realizei para o curso Promotoras Legais Populares de Curitiba e Região Metropolitana.
A falta de convívio com diversidade culmina em falhas de empatia
Não temos uma educação que desde sempre tentou incluir e buscou tratar pessoas com deficiência de forma igual. O impacto disso nas relações sociais entre pessoas com deficiência e o restante da sociedade é a nossa falta de sensibilidade para reconhecer falhas de empatia no tratamento com o outro. E infelizmente, mesmo quem atua com direitos humanos e processos de educação também está sujeito a não saber de tudo.
Pensar fora da caixa ao atuar com atividades que tenham pessoas com deficiência é primordial. Isso significa parar e refletir se a metodologia de aula, oficina, palestra e workshop, atendem às necessidades do público com deficiência, que às vezes nos passa despercebido. Vide meu caso. Você já se perguntou se alguma expressão que usou foi facilmente traduzida para a Língua Brasileiras de Sinais (Libras) de forma simultânea a explicação, sem causar prejuízo ao aprendizado do aluno? Se importou em inserir conteúdos audiovisuais com legenda em português? Deixou explícito para todos envolvidos que as luzes sempre devem estar acesas quando houver exposição de falas com slides? Parecem coisas bobas, mas são decisivas para que a inclusão não aconteça somente da boca para fora. Educação inclusiva não é somente colocar/aceitar alguém com deficiência dentro de um processo educativo, seja ele formal ou informal, é repensar e instaurar uma nova dinâmica de aprendizagem e relações sociais dentro do ecossistema educacional.
É de suma importância ampliar o debate sobre o direito humano à comunicação de pessoas com deficiência sensorial (visão e audição). Além de terem acesso limitado à informação, são excluídos dos processos de interação social ou tem sua participação reduzida.
Por exclusão dos processos de interação social, me refiro a escolha de ir a qualquer palestras, oficinas e eventos sociais, sem ter como condicionante a presença de um intérprete. Para essa realidade mudar, não vejo outro caminho a não ser difusão da Língua Brasileira dos Sinais (Libras) como algo fundamental na formação de qualquer criança e adolescente e de profissionais como um todo. Mas sabendo que essa não é a realidade mais fácil de ser conquistada, precisamos começar pelo que está ao nosso alcance. E aqui eu me atrevo a dar algumas sugestões, pensadas em decorrência do choque de realidade que levei, com a minha falta de preparo para incluir de forma mais acolhedora alguém com deficiência auditiva.
Seja qual for o contexto de ensino/aprendizagem (escola, projeto social, roda de diálogo, universidade), criar o hábito de buscar a expressão (fala) de pessoas com deficiência, permitirá que todos que participam do processo educativo absorvam novas maneiras de se relacionar com a diferença. Na prática, é pedir a opinião deles sobre os assuntos tratados pela conversa em grupo, incentivando que eles também se exponham.
Acredito que temos silenciado pessoas com deficiência auditiva total, por exemplo. Afinal, até nos pronunciamos sobre ser compassivos com as necessidades deles, mas não lhes damos espaço para falar de suas vivências, e reconhecer nosso lugar de privilégio e culpa diante da exclusão social. Se adotamos uma dinâmica educacional que assuma o papel de mediar a escuta entre quem sempre falou e os que não tem tido sua voz levada em consideração, tendemos a desenvolver uma sociedade que privilegia a relação mais humana entre o indivíduo, a cidade e a comunidade.
Sabemos que incluir pessoas com deficiência, seja ela visual, auditiva, motora, mental ou intelectual demanda recursos para capacitar profissionais e adaptar infraestrutura. Mas enquanto a gente acreditar que tudo isso são barreiras intransponíveis, deixamos de assumir nossa responsabilidade diante da exclusão social desses indivíduos. Um forma de mudar essa situação é iniciar ações de curto, médio e longo prazo, voltadas a incluir pessoas com deficiência que não são facilmente inseridas nas suas atividades educacionais.
Por exemplo, um adolescente com deficiência motora não é restringindo de participar de projetos sociais da Parafuso Educom, ao contrário de outro com deficiência auditiva ou visual. Não está escrito que não aceitamos, mas nenhum dos projetos desenvolvidos por nós previu a contratação de profissionais que se comunicam na Linguagem Brasileira dos Sinais (Libras). Não temos todos os materiais audiovisuais legendados ou com uso da audiodescrição para dar acesso aos conteúdos de direitos humanos sem restrição. Ou seja, temos limitações técnicas da equipe e da estrutura organizacional que precisam de investimento a curto, médio e longo prazo, para ter a inclusão na prática organizacional. Então, convido você a fazer sua autocrítica e pensar formas de solucionar os problemas que precisa enfrentar para se tornar alguém inclusivo para além do que já é possível.
A deficiência só se torna um obstáculo às pessoas que a têm em decorrência das barreiras sociais criadas pela sociedade. O preconceito e a discriminação não permitem a eles o mesmo acesso ao trabalho, à cultura, informação, mobilidade urbana e educação. Portanto, devemos pensar a proposição de ações que cobrem políticas públicas de equidade e igualdade para o acesso dessa população a todos estes direitos.
Os conflitos que ocorrem diante da convivência com a diversidade devem ser mediados de forma a garantir o direito dos menos favorecidos, principalmente quando ela “tira” de nós aquilo que nunca foi compartilhado com todos, e portanto, passou a ser privilégio.
* Artigo escrito por Juliana Cordeiro, jornalista e educomunicadora do coletivo Parafuso Educomunicação. O Parafuso Educom é colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.
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