No primeiro momento pode soar estranho e desconexo da realidade escolar. Mas sim, a linguagem conhecida como “zoeira sem limites” e os memes na internet passaram a integrar as dinâmicas pedagógicas e o próprio cotidiano da sala de aula.
Sucesso entre estudantes e também professores, os memes são enunciados elaborados em forma de fotografias, vídeos, GIFs e remodelagens com o objetivo de parodiar, refletir ou mesmo debochar de situações cotidianas.
Eis a razão da enorme popularidade: ainda que o celular seja proibido, as representações, as linguagens e, sobretudo, as brincadeiras que nascem nas redes sociais acompanham as interações que alunas e alunos experimentam na sala de aula.
Os espaços educativos são permeados por mensagens, provocações e os jogos de linguagem da “zoeira”. Mesmo que fora da escola, a cultura que crianças e adolescentes estão desenvolvendo é marcada pelas comunicações rápidas e instantâneas, recheadas de linguagens híbridas e intertextuais.
Em poucos anos, os memes se tornaram — por incrível que pareça — um recurso comunicacional relevante para criar alternativas educativas. Compreender como funciona a “zoeira” e aplicá-la na sala de aula constitui um passo significativo para construir pontes e interlocuções com os alunos.
Essa análise resulta de uma constatação mais geral de que as redes sociais não são apenas uma mídia convencional ou uma “nova tecnologia”: memes, GIFs, youtubers e correntes no Whatsapp, para ficar em poucos exemplos, ocupam lugar decisivo nas formas de ser e estar no mundo, sobretudo dos jovens. As escolas, como não poderia ser diferente, reagem, cada uma ao seu modo, à essa nova realidade comunicacional.
Vejamos alguns exemplos:
Nos últimos anos, brincadeiras, piadas e a “zoeira” dos memes passaram a integrar o cotidiano de jovens de todo país. No Brasil, pelo menos 23 milhões de jovens interagem com as redes, mostrando que circular memes nas redes é tarefa corriqueira para milhões de jovens brasileiros.
Para pensar nos memes como recurso educativo, devemos considerar as mudanças em trânsito nas formas de comunicar. Hoje, com a infinidade de informações nas redes sociais, com a pressa e o ritmo apressado das cidades, é necessário dizer pouco e rápido. Os jovens, acostumados com a velocidade acelerada da timeline das redes sociais, com as efemeridades do Twitter, Instagram e Youtube, estão habituados com essa lógica para se relacionar entre si.
Os conteúdos escolares podem ser apropriados pelos estudantes se valendo dessa lógica: jogos de linguagem provocativos, curtos e rápidos, que geram reflexão e referência a conteúdos externos, como no meme acima sobre o Conselho Nacional do Café.
Os jovens se apropriam amplamente da linguagem para dar sentido às dinâmicas do cotidiano, para paquerar e provocar os companheiros de turma e “falsianes” (termo usado pelos alunos para descrever um colega que não se pode confiar) e, evidentemente, para praticar a zoeira. O tesouro presente na linguagem dos memes é justamente essa capacidade de acionar discursos rápidos e efêmeros, que integram o universo cultural de alunos e alunas.
Nem tudo é zoeira: a Educomunicação
Discutir as brincadeiras na internet exige estar atento aos riscos que circundam as redes sociais. Afinal, os memes estão inseridos no mesmo espaço de pornografia de revanche, cyberbullyng e diversas outras modalidades de crimes digitais. Ao invés de tratar as redes sociais sem a devida criticidade, devemos, enquanto educadores, buscar alternativas para problematizar os memes e as brincadeiras na internet.
O conceito de Educomunicação, trabalhado em diversas unidades de ensino no país, ajuda exatamente nesse trabalho de pensamento crítico e reflexivo sobre a inserção da mídia no cotidiano escolar. Educar para a comunicação, além de utilizar os recursos tecnológicos na sala de aula, é um passo fundamental para uma sociedade capaz de compreender as linguagens, como os memes, e construir recursos pedagógicos capazes de mobilizar afetos e transformar a realidade.
*Texto escrito por Douglas Calixto, jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. A dissertação “Memes na Internet – entrelaçamentos entre Educomunicação, cibercultura e “zoeira” de estudantes nas redes sociais” rendeu o prêmio de melhor mestrado da ECA-USP em 2017 e o prêmio de melhor mestrado do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom) em 2018. É atualmente pesquisador do MECOM (Grupo de Pesquisa Mediações Educomunicativas).
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