Recentemente me chamou a atenção uma fala aparentemente banal que escutei em um curso realizado com pré-adolescentes. O tema abordado era sexualidade e um de meus alunos, de 13 anos, comentou: “Eu não sei por que a minha mãe diz que se eu aparecer com um filho em casa ela não vai cuidar. Eu sei que ela cuida, ela já cuida do da minha irmã.” Essa ideia despertou um pequeno debate com outros jovens ali presentes; a conclusão foi a de que pais e mães dizem isso apenas para “botar medo” e que não é necessariamente verdade.
Gostaria de usar essa situação para refletir sobre um problema chave para a educação nos dias de hoje: como sensibilizar os mais jovens para que caminhem para uma sexualidade autônoma e bem informada? Primeiro é importante notar que vivemos no seio de mudanças qualitativas nos paradigmas da educação. A saber, se antigamente o autoritarismo docente e parental era visto como única via para a formação dos mais jovens, hoje falamos em educação dialógica e em co-participação de crianças e adolescentes em seu próprio processo de socialização. Antes, sequer se imaginava abrir espaços de diálogo para sanar dúvidas sobre namoro, sexo e prevenção. Agora estes temas se tornam mais um imperativo para os currículos escolares.
Sabemos de antemão que a diferença de perspectiva na leitura de mundo entre uma geração e sua sucessora é algo esperado. Talvez por essa razão, dizemos que os adolescentes de hoje são libertinos e irresponsáveis. Ao mesmo tempo, valorizamos mais do que nunca a manutenção de uma aparência e de comportamentos “jovens”. Estas mensagens ambíguas parecem confundir adolescentes quando se deparam com a difícil tarefa de se responsabilizarem pelo uso de seu próprio corpo. É como se nunca lhes parecesse realmente verdade que os riscos atribuídos a este uso possam se concretizar: gravidez, violência sexual, DSTs e HIV/AIDS, etc.
Então, como é possível que pais e educadores fomentem autonomia através de um programa de educação sexual para adolescentes? Em primeiro lugar, precisamos lembrar que os temas que circulam em torno deste grande eixo sexualidade são revestidos por inúmeros tabus. Prazer, desejo, reprodução, orientação e identidades sexuais, relações de gênero… Por isso precisamos rever nosso próprio mal-estar com este assunto antes de abordá-lo com os mais jovens. Esse difícil exercício de colocar em suspenso certos valores tidos como absolutos é um caminho inevitável para pensarmos na emancipação das próximas gerações. Em termos práticos, isso significa que precisamos questionar quando afirmamos por exemplo que as meninas devem ser mais “recatadas” – eufemismo que se refere ao tabu da virgindade feminina –, e que os garotos, por sua vez, tem mais necessidade de extravasar, ou seja, podem separar francamente sexo e afeto.
Além da superação dos nossos próprios fantasmas, ainda se coloca na agenda que a informação seja dada com vistas à formação. De nada adianta que racional e intelectualmente os pré-adolescentes e adolescentes saibam que precisam usar camisinha quando tiverem relações sexuais.
Essa informação é dada desde muito cedo, porém quase sempre sem qualquer reflexão mais aprofundada de como o próprio sujeito (o jovem) se vê em meio a ela. A melhor e talvez a única garantia de que um jovem ou uma jovem irão se prevenir dos riscos comumente atribuídos ao uso da sexualidade é que eles compreendam que este cuidado está ligado ao valor dado para seu próprio corpo e ao respeito aos seus limites subjetivos. Com isso a informação sai da dimensão puramente racional e toma proporções afetivas e significativas.
Abrindo nossa percepção sobre este tema, é possível que lentamente deixemos de “educar” com base em ameaças vazias que fogem ao cerne da questão, como a da mãe que afirma que não irá cuidar de neto nenhum, que irrefletidamente reproduz a política do “limpar a barra”.
E assim podemos criar um programa de educação que vise à autonomia de crianças e adolescentes, que aos poucos e na prática aprendem a lidar com as consequências de suas atitudes diante da vida.
>> Mariana Corrêa Azevedo é graduada em Sociologia pela UFPR (2009), Mestrando em Sociologia, também pela UFPR. Seu campo de pesquisa são as relações familiares. Trabalha na Associação Projeto Não Violência
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