Faz sentido. A gente cansa de ouvir dos adultos – em suas memórias dos tempos escolares – alusões às aulas de Artes Industriais e de Culinária, duas disciplinas práticas implantadas nas escolas brasileiras na década de 1960. Sinal de que usar do muque, como se dizia, lhes fez bem. Mas são favas contadas. À medida em que o tempo avança, menos espaço há para atividades lúdicas e desinteressadas. Parece não haver glória em uma parede calfinada, em uma madeira lisa depois de passar por sete lixas, das mais diversas espessuras, até perder todas as ranhuras.
Penso no que Alves quer dizer com sua proposta pedagógica, mas só consigo pensar no que sinto. Tem dias que meu desejo mais profundo é tirar cera velha do chão, tendo ao final a alegria da tarefa cumprida do começo ao fim. Sou do tempo das tais atividades manuais na escola. Alisto-me entre os que têm as melhores lembranças dos tempos em que ir para a aula era sinônimo de sujar as mãos de barro, de usar avental.
Já homem feito, cursei Belas Artes – um daqueles sonhos que valem uma vida. As aulas eram quase todas no ateliê. Ficávamos em círculo. Falávamos de assuntos que não estavam na pauta do Banco Mundial. Qual dos homens que definem o destino do mundo, afinal, estaria preocupado com a temperatura exata nos fornos de cerâmica? Mas ali não – respeitar os limites da matéria era algo sagrado. Um erro pequeno de cálculo não arruinaria o planeta, mas aquele pedacinho do planeta que nos era palpável. Educação pela pedra.
Claro – a sociedade precisa mais de matemáticos do que de ceramistas. Mas não é de serventia que se está falando, é de experiência. Somos aquilo que provamos. Já condenaram os sensualistas à fogueira, mas que é que há, quem pode viver sem passar pela fúria dos sentidos? Quem não foi operário, me desculpem, não viveu. A palavra mundo é mais física do que metafísica. Eis um assunto caro a Rubem Alves, pioneiro nos estudos de filosofia do corpo no Brasil.
Mas não entremos por essas veredas. Me parece que a necessidade da experiência fica melhor se discutida na cozinha – em meio aos apitos da panela de pressão – do que na sala, em meio à solenidade dos estofados, dos lustres e das cortinas de voal. É simples. A formação manual da qual fala Alves diz respeito ao estar perto, esse lugar que permite enxergar os veios, sentir as poeiras, ter os cheiros nas narinas. Ali, somos parte. E ser parte é condição existencial para todo o resto. Do contrário, nos perdemos.
Difícil? Mas que nada – uma faculdade do lado de uma oficina bem que resolvem.
>> José Carlos Fernandes é jornalista da Gazeta do Povo e professor do curso de Jornalismo da UFPR.
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