A quantidade de informação a que temos acesso hoje é incomparável com a do passado. A internet não só nos deu um universo de informações, como também nos permitiu produzir uma quantidade gigantesca de conteúdos de modo que fica impossível a qualquer um absorver tudo isso.
Em meio a tanta informação e tão pouco tempo para ler caímos em um resultado terrível: não estamos mais lendo, ao menos não como se deveria. Com uma quantidade incomensurável de conteúdo irrelevante nos atingindo dia após dia, a nossa forma leitura mudou para se adaptar à nova realidade.
O que fazemos hoje é escanear as páginas da web, como mostrou Maryanne Wolf, uma neurocientista e pesquisadora da Universidade de Tufts, em seu livro “Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain.”.
A pressa na procura da informação relevante, em meio a um mundo de conteúdo, faz com que nosso modo de ler se adapte a um modelo de escâner. Percorremos páginas e mais páginas da web em busca das palavras-chave e dos termos que procuramos, pulamos parágrafos e lemos trechos isolados de forma superficial sem nos preocuparmos com os significados das palavras ou qualquer outro critério que torne a leitura mais produtiva.
Temos que admitir que este hábito moderno é inevitável. Não há como prestar atenção a tudo. Porém, é quando levamos este hábito dos meios digitais para outros conteúdos, que somos de fato prejudicados.
Quando passamos da leitura de um conteúdo digital a leitura de um livro clássico, por exemplo, acabamos por levar os novos hábitos a uma antiga forma de escrita. No passado um escritor desenvolvia seus textos pensando palavra por palavra, medindo o significado de cada uma, o seu papel na frase, a sua sonoridade e tudo o mais que pudesse ser relevante para criar um texto harmonioso à leitura, à fala e ao seu significado. Hoje, sites produzem conteúdo com o objetivo de gerar audiência e o texto é projetado para atender ao Google, obedecendo a regras de palavras-chaves que nem sempre ajudam o leitor.
O resultado é que muitos, principalmente jovens, terminam a leitura de textos antigos com a sensação de que não entenderam nada ou de que certas coisas lhes escaparam. Quantas pessoas você já ouviu dizendo: “tive que ler de novo”, “li e não entendi nada”? Quantas outras leram e depois não sabiam explicar o que acabaram de ler? Lemos rápido demais. Escaneamos livros em busca da informação chave assim como fazemos na web.
O Dr. Reuven Feuerstein enfatiza em seu Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) a necessidade de se controlar a impulsividade quando se tenta compreender um problema, para não se prender a falsas impressões.
A escritora Francine Prose, em seu livro Para Ler como um Escritor, nos lembra sobre a necessidade de ler com calma, palavra por palavra, frase por frase, para absorver o sentido do que se lê, para se compreender totalmente aquilo que buscamos aprender.
Não só a impulsividade da leitura rápida é que precisa ser controlada, mas também as impressões e opiniões que temos do que acabamos de ler, pois não seriam essas impressões superficiais como a nossa leitura?
Mais importante do que termos a lista de livros para ler e os nossos aplicativos de notícias, é termos aqueles conteúdos que iremos absorver e deixar as palavras ressoar por nossa alma e por nossa existência até compreendê-los profundamente, a verdadeira educação depende disso. Depende de absorvermos o conteúdo, muito mais em profundidade do que em quantidade, e sem a devida atenção isso não é possível.
Se há algo que falta a alfabetização de hoje, de jovens ou adultos, é o hábito da leitura atenta. O que precisamos é de discernimento para ler com agilidade o que é passageiro e supérfluo e ler atentamente aquilo que é importante, profundo e eterno.
Precisamos recuperar a nossa capacidade de ler com atenção e também ensinarmos nossos filhos a fazer isso.
*Artigo escrito por Daniel de Oliveira Carvalho, arquiteto de informação na Gazeta do Povo, formado em Publicidade e Propaganda pela UTP e pós-graduado em Design Centrado no Usuário pela UP. Atualmente estuda literatura e a aprendizagem pela leitura. É colaborador do Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM). O profissional contribui voluntariamente no blog Educação & Mídia.
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