Antes que você comece a leitura desse texto, em que relatarei duas experiências educacionais incomuns, acomode-se bem e respire fundo.
Recentemente – em março/2019 e junho/2019 - tive a honra de realizar duas imersões incríveis no Vale do Silício (Califórnia – USA). A também chamada de Silicon Valley (em língua inglesa), é uma região da baía de São Francisco formada por cidades como Palo Alto, Cupertino, Fremont, Los Altos, Los Gatos, Menlo Park, Milpitas, Mountain View, Newark, San José (a mais populosa), Santa Clara, Sunnyvale e outras. Além de ser também a casa de gigantes da alta tecnologia como Google, Facebook, Apple, Linkedin e Cisco, também abriga algumas filiais de renome, como Amazon, Dell, McAfee, Microsoft, Siemens, Ericsson, Sun Microsystem e outras marcas de peso.
Porém, sendo um professor entusiasta em novas estratégias, modelos e tecnologias educacionais, o encantamento maior aconteceu nas experiências vividas na Universidade de Stanford, Singularity University, Universidade de Berkeley e Universidade Santa Clara. E sobre estas duas últimas, quero contar-lhes o que ouvi. Em alto e bom tom.
Em Berkeley, universidade pública que oferece mais de 7.000 cursos em 350 programas de formação, distribuídos em 170 departamentos acadêmicos, fomos gentilmente recebidos por uma aluna, brasileira, que realiza mestrado na área de Direito. Depois de conversarmos sobre um pouco da história da instituição, curiosidades e outros temas, fomos ao ponto que queríamos explorar um pouco mais: como acontece na prática, no dia a dia do seu curso, uma aula de mestrado? E o que recebemos como resposta foi o seguinte: para cada quatro horas de aula expositiva dos professores do nosso curso, eu preciso me preparar antes, por no mínimo oito horas. E, durante a aula os professores não gostam de ser interrompidos com perguntas ou dívidas. Porém, após essa aula, eu e os demais colegas podemos agendar um horário para sermos atendidos individualmente pelo professor da disciplina para que, nesses momentos, possamos lapidar e receber orientações personalizadas sobre tudo o que estudamos previamente e sobre o que obtivemos de explicações em sala de aula. Sendo assim, de acordo com o rendimento de cada aluno, e do entendimento do professor sobre o perfil de cada um, recebemos atividades para o pós-aula e em seguida uma avaliação. Tal avaliação possui oito horas de duração, realizada online, a partir de qualquer equipamento devidamente conectado à internet.
E será que os alunos se sentem motivados em pesquisar para responder às questões da avaliação? A resposta é sim. E sobre a questão de usar de meios não corretos. Sobre “colar” a resposta de alguém. Isso é fator de preocupação? Pode até ser que sim. Porém, caso algo não correto seja percebido por algum professor, coordenador ou dirigente, esse aluno corre o risco de obter o seu diploma sem um “Selo de Honra e Conduta”. E isso é muito importante para os alunos. Uma cultura e um mindset muito diferente e especial. Não é por acaso que, desse extraordinário ecossistema educacional, tenhamos o seguinte: ex-alunos, professores e pesquisadores de Berkeley possuem 104 prêmios Nobel (incluindo 33 alunos laureados Nobel), 9 prêmios Wolf, 25 prêmios Turing, 14 medalhas Fields, 14 prêmios Pulitzer, 45 MacArthur Fellowships e 20 Oscars. Pesquisadores da faculdade descobriram seis elementos da tabela periódica, 16 no total em parceria com o Berkeley Lab. Tais números superam mais do que qualquer outra universidade no mundo.
Na Santa Clara University, universidade privada fundada em 1851, com aproximadamente 18 mil alunos ativos, que oferta cursos de graduação em artes, ciências, business e engenharia, sendo referência nessas quatro áreas em toda a costa oeste americana, fomos cordialmente recebidos por uma aluna do terceiro ano de Engenharia Mecânica, também brasileira, e o roteiro de perguntas e descobertas foi bem parecido com aquele utilizado nas diversas visitas. E, na hora de recebermos os insights sobre como eram as aulas de engenharia dessa universidade, ouvimos o seguinte: para cada uma hora de aula expositiva dos professores do curso, eu preciso me preparar previamente por, no mínimo, quatro horas. Senão fica impossível acompanhar tudo o que acontece nesse momento de explicação do professor. Após essa uma hora de explicações temos três horas em laboratórios específicos de cada disciplina, para que possamos interagir com os colegas de curso, estudar, planejar, prototipar e tangibilizar algo que represente o que foi aprendido. Temos à disposição computadores, softwares, impressoras 3D, cortadoras a laser, plotters e outros materiais úteis para esse momento de aprendizagem colaborativa e ativa. Também temos o direito de marcar horários individualmente com cada professor para que possamos tirar dúvidas, obter aconselhamentos e mentoria, receber atividades para o pós-aula e nos preparamos para avaliações que às vezes acontecem de forma presencial, e outras de forma digital a partir de qualquer device conectado. Tudo isso acontecendo naturalmente sem que professores ou dirigentes tenham que ficar insistindo sobre a importância de alunos e professores cumprirem, cada um dentro do que lhes compete, o seu papel com qualidade e com espírito de querer sempre mais de cada atividade, de cada entrega.
E então estimado leitor. Está surpreso com esses depoimentos? Se você é educador, consegue enxergar elementos de metodologias ativas de ensino, tais como, aluno protagonista e professor mediador do processo de ensino e aprendizagem? O Flipped Classrrom como algo realmente vivo e importante para a estratégia de ensino? Os momentos em teamwork ou individuais com o professor para o desenvolvimento de competências socioemocionais, ingredientes essencialmente humanos e de extrema importância para o presente e futuro do mundo do trabalho?
Se nos concentrarmos apenas nesses elementos, podemos observar o quão possível é planejar e executar aulas que realmente levem os alunos para aquilo que tanto buscamos: a aprendizagem! Sabemos que, quando o assunto é educação, nada acontece num piscar de olhos e nem de forma fácil. Porém eu digo: é possível! Essa é a minha bandeira. É nisso que eu acredito.
* Texto escrito pelo Professor José Motta, engenheiro, gestor educacional, especialista em Principles of Technology, Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação e Consultor em Metodologias Ativas de Ensino, Inovação Educacional e Tecnologias Educacionais. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.
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