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Tenho afeição pelo título de um livro pouco festejado de Rubem Fonseca – Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, do início dos anos 1990. Pelo título, friso. Confesso que mal lembro da trama, exceto de uma ou outra descrição mais ousada, dessas riscadas a faca, como só o autor de Feliz ano novo e Agosto parece saber escrever. Quanto ao título, perdi a conta das vezes em que o citei para traduzir momentos de confusão mental, sensibilidade desvairada, falta de centro e foco – as minhas, as dos outros, as da humanidade.

Como diria qualquer educador, ter “vastas emoções e pensamentos imperfeitos” é parte da crise, que é purificação e coisa e tal. Falamos bastante desse inferno astral nos últimos tempos – atingiu da economia global à vida privada. Vivemos um tempo vasto e imperfeito, que os deuses nos acudam.

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Cenário 1

Coisa de um ano, li uma enquete publicada pela revista Imprensa – publicação voltada, como o nome diz, para o pessoal que “rala” nas redações brasileiras. Os jornalistas fizeram o seguinte: entrevistaram meia dúzia de outros jornalistas que acompanham jovens trainees de cabo a rabo nesse imenso país. Queriam saber “qual era a dos novatos”. Eis o que acharam.

O resultado se assemelha ao que diz Gilles Lipovetsky, filósofo francês que é fino observador das frias em que nos metemos nessa “era dos excessos” – expressão com grifo dele. Ao diagnóstico: nunca houve geração tão preparada, nunca houve geração tão desencantada. A reportagem se limita ao diagnóstico, que em outras palavras diz o seguinte: a moçada sabe muito, mas não sabe o que fazer com isso.

Gilles vai mais longe.

Em sua obra, explica que vivemos num mundo cercado de expectativas inalcançáveis – fama, sucesso, metas, viagens, beleza, prazeres… Quando um jovem se depara com a realidade, aquela que passa pelo cartão-ponto, julga-se sempre aquém –ou além – daquilo que esperava. O mundo não os merece. Na obra de Ciro Marcondes Filho, esse mal estar é chamado de “era do desencanto”. Dói mais que cólica de rim.

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A esse respeito, aqui vai minha vasta emoção e meu pensamento imperfeito: acho que o resultado da pesquisa diz uma verdade. De fato, de novo citando Marcondes Filho, os jovens se tornaram “presentificados”. Ou seja, são preparados, inteligentes, viajados, falam vários idiomas, mas encontram dificuldade em criar sinapses e em fazer – nos dizeres de outro papa, Edgar Morin – mapas mais orgânicos, daí se sentirem tão apáticos. Desconfortáveis? Pense num sapato apertado num dia de calor. É isso.

O senão é que essa análise me soa injusta. Os nada confiáveis homens e mulheres que passaram de 30, 40, 50 anos também encontram uma lenha pela frente na hora de entender o mundo. Tudo desmancha no ar. Estamos num tempo de incertezas. Se a gente que já viveu um pouco mais se sente no meio de um tiroteio, por que um jovem, começando a vida, teria obrigação de ter “aquela velha explicação formada sobre tudo”?

Resumo da ópera – os adultos dos anos 2000 deram de ser muito injustos com os jovens. Às vezes, suspeito, que é um repasse de culpa pela sociedade não tão incrível que resolvemos, um dia, deixar para eles. Mas deixe quieto – como disse antes, são vastas emoções.

Cenário 2

Deve-se ou não ensinar tecnologia aos alunos? Dias desses, uma pesquisadora a quem muito respeito, disse “não”. Para a moçada, encarar um novo aplicativo é tão corriqueiro, que a escola que pretenda transformar isso em currículo estará sempre dois passos atrás. Para quem está nos verdes anos, há uma tendência a naturalizar a tecnologia. Suspeito que tem quem nasceu com um olhinho na ponta dos dedos.

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Mas teimei – e acho que ainda teimo. Mas teimo com pensamentos imperfeitos. Este semestre, em parceria com gente infinitamente mais afeita à tecnologia do que eu, tive a oportunidade de acompanhar a produção de revistas eletrônicas feitas por 40 alunos. Pois a turma foi lá e desempenhou – vídeos, fotos, linhas do tempo. O resultado tem frescor, bem diferente da caretice que os estudantes costumam imprimir aos demais exercícios, vulgos “tradicionais”.

Aconteceu que em paralelo pedi a um outro grupo que fizesse um livro digital. Só de imagens autorais. O objetivo – treinar a sucessão de fotografias, de modo a pensar movimentos, atmosferas e narrativas. Não senti muito entusiasmo. Esta semana, minha sobrinha de 11 anos, do nada, me mostrou um “livro de imagens” que ela fez, com fotos de sua autoria. Sim, tem hora que parece aqueles vídeos horrendos de debutantes. Tem horas que não. Usando a menina como padrão, o exercício que pedi aos universitários está defasado pelo menos oito anos.

A gente até sabe o que dizer numa hora dessas – a leitura crítica (acho a expressão assustadora, pelo autoritarismo que encerra), a análise ou sei lá o quê estão no pré-sal da tecnologia. É lá que o professor transita. Escavar no fundo é nossa tarefa. Serve de consolo. Mas que o vídeo da minha sobrinha me deixou meio sem graça, deixou.

Vou assoprar para ver se passa.

>> José Carlos Fernandes é jornalista da Gazeta do Povo e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná – UFPR. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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