Nesse mesmo espaço já escrevi da importância do silêncio na escola. Tanto que acredito ser necessário inclui-lo no currículo. Imaginem, todos os dias, os primeiros minutos de todas as aulas dedicados a um aprendizado do silêncio.
Mas o silêncio é um aprendizado porque propicia o ambiente para o falar. E essa é outra habilidade que precisa ser aprendida, praticada, intensa e permanentemente, na escola.
Gadamer, o “cara” da hermenêutica, dizia que a interpretação do discurso começa pelo tom que se emprega ao falar. Até a invenção de Guttemberg, pelos idos do século XV, o conhecimento dos textos era muito mais oral do que por meio da leitura silenciosa e individual. Como as copias eram muito poucas, quem tinha, lia para os outros. Antes ainda, na antiguidade, as rimas serviam para marcar a fala e alimentar o cérebro mnemônico, nas longas histórias que eram passadas de grupos para grupos, geração após geração.
Hoje praticamente não se lê mais nas escolas. O professor fala ou propõe pesquisas e atividades. A tecnologia arroga-se de inovação no aprender, esquecendo que o aprender nós já sabemos, desde sempre. A leitura em voz alta socializa o leitor com seu público e seus medos e dificuldades dão ao professor a noção exata do que deve ser ensinado. A leitura em voz alta permite perceber os meandros da interpretação ( ou a falta dela) que cada um faz do texto, imprimindo o singular no texto social, histórico, público.
A escola precisa, urgentemente, assumir-se como espaço público, como ágora. Lugar de presença e participação. O aprendizado não é a apropriação privada de informações, mas a construção coletiva de conhecimentos. Aprende-se não para si, mas com os outros e para os outros, nos quais nos incluímos. Aprendizado assim é sempre contextualizado e, por isso, aprende-se que o conhecimento só faz sentido quando associado. A contemplação do bem como fuga do real é apenas um equívoco de interpretação da velha filosofia.
Como falar? Falar o quê? Pra quem? Por quanto tempo? Como conduzir essa exposição da alma do falante? Como construir uma lista ética de questionamentos que não firam ou humilhem mas , ao mesmo tempo, não adulem nem tolham o crescimento?
Em uma sociedade tão carente quanto a nossa, na qual o ato de ler já é um prodígio, tornar a escola um lugar da fala orientada, da fala competente, da fala estimulante, da fala questionadora, da fala seminal, da fala construtivista, é um projeto que economizaria milhões aos cofres públicos. Não carece de aparatos tecnológicos nem espaços sofisticados. Só um bom livro ( ou jornal, ou transcrição poética com lápis de ponta mordida) , um professor e alunos. Sentados ou em pé, com dedos em riste ou olhos baixos e contidos. E a fala. A fala que mostra o caminho de suas qualidades e deficiências, a humanidade em nós traduzida pelas palavras que damos ao mundo como apelo ou oferta. A construção da cidadania pela descoberta que temos voz e sabemos usa-la.