Era lá nos idos de 90 e foi a senhora que trabalha em minha casa quem me contou: uma vizinha dela perdeu o filho de 16 anos, assassinado por outro menino de 16 anos. A mulher, depois de chorar sangue no luto pelo filho amado, passou a visitar o assassino na detenção. Primeiro – contou-me Dona Susana, minha empregada doméstica – ela ia só para ver o rapaz. Depois passou a levar-lhe alimento e algumas roupas do filho morto. Não chegavam a conversar. Ficavam parados, ele olhando para algum lugar, ela olhando para ele. O que ela queria saber talvez ele nunca soubesse responder: por quê?
Fiquei curioso – na época eu formado de pouco em Direito – e quis conhecer a tal senhora. Dona Susana me levou à vila da periferia onde moravam e que me lembrou – e como esquecer! – a cruel desigualdade que eu alimentava com o salário “de mercado” que eu pagava a ela. A senhora me atendeu e perguntou logo por que eu queria saber da história dela. Respondi com outra pergunta: por que ela visitava o menino? E ela, de imediato: não sei. Talvez para lembrar do meu filho.
Mas ele o matou!
Não faz mal, foi o que ela me disse.
Insisti: guarda raiva? Queria vingança? Não sei, disse. Acho que não. Olhava para ele e via que era um ninguém, nem mãe tinha.
E ela, sem filho.
Antes de sair, indaguei ainda: a senhora acha certo ele ser solto ao completar 18 anos e ficar livre como se nada tivesse acontecido?
A mulher olhou pra mim e era só tristeza aquele olhar: ele nunca vai estar solto. Ele nunca viveu noutro lugar que não uma prisão. Como todos nós.
Fui embora com Dona Susana e vi, na distância que separava a vila delas e a minha casa, todo o deserto de incompreensão que cerca as verdadeiras razões da violência em nosso país e as precárias e obtusas respostas que os governantes e os legisladores dão ao problema.