Assisti ao filme Selma, da diretora Ava DuVernay, sobre a marcha liderada pelo pastor Martim Luther King, em 1965, exigindo o cumprimento da lei que permitia a todos os americanos o direito de votar.

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O filme é uma catarse de cidadania ao mostrar como foi possível vencer a resistência dos que queriam ver os negros longe das urnas.

No entanto, como essa vitória foi possível?

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Com desobediência civil. Com desrespeito às leis estabelecidas pelo governador do Alabama e com a resistência à ação da polícia e de sua costumeira violência. E com o envolvimento da população branca. Isto é, com o envolvimento de pessoas que não eram atingidas pela proibição mas que viam na proibição um mal a um conceito maior e geral: a democracia.

Em um primeiro momento, Martim Luther King e seus seguidores são chamados pelo xerife local – um enfezado e irascível agente da lei que não respeitava a lei mas aos seus próprios e distorcidos princípios – de “baderneiros”, expressão que depois é usada pelo próprio governador do Alabama, George Wallace, um político que havia chegado ao poder defendendo a causa dos pobres mas que agora não conseguia avançar  e entender que a democracia nunca é algo que atenda apenas aos nossos  interesses mas que precisa ser igual em oportunidades para todos.

O filme é empolgante e, ao mesmo tempo, enervante. Martim Luther King hesita e tem medo. Não é fácil ser xingado, ameaçado, agredido. Não é fácil deixar a família em casa e ir para a rua, para a praça, para a frente dos edifícios do poder para dizer algo tão óbvio: a democracia implica direitos e oportunidades para todos! Negar isso aos cidadãos, brancos ou negros, ricos ou pobres, saudáveis ou doentes, é negar a ideia mesma da democracia. E é preciso lutar contra isso, mesmo que implique riscos, mesmo que implique violar normas e determinações das autoridades. É perigoso. Mas é necessário. Mas é perigoso.

Para mim, o momento mais marcante do filme foi o diálogo entre o governador do Alabama e o presidente Lyndon B. Johnson, até então resistente aos apelos de Martim Luther King de implementar regulamentação e usar tropas federais para garantir o cumprimento da lei e permitir o alistamento eleitoral de negros. Atormentado pela violência praticada contra os manifestantes e televisionada para todo o país – graças a uma importante parcela da imprensa que não se dobrava às ameaças nem se vendia – o presidente insiste para que o governador mude as regras de alistamento do seu Estado e permita aos negros o direito ao voto, alegando o julgamento da História. Diante disso o governador diz: “daqui 20 anos estaremos mortos, você e eu, presidente. Quem se importa com o que as pessoas no futuro vão pensar?” E o presidente responde: “Deus me livre ser lembrado no futuro como alguém como você!”. Dias depois, o presidente Lyndon B. Johnson faz um histórico pronunciamento no Congresso, solicitando a aprovação de uma lei federal estabelecendo o fim de qualquer restrição ao alistamento eleitoral em todo país.

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O que faltou ao governador George Wallace foi coragem moral. E coragem moral é o sentimento de agir independente de sua convicção pessoal, mas movido pela clareza de que há algo maior do que o que você pensa e acredita: o bem comum. Essa invenção humana tão frágil e tão inconstante, mas horizonte comum de tantas lutas e dificuldades. O Bem Comum.

Martim Luther King  é hoje um nome conhecido e festejado mundialmente. Nos EUA,  há um feriado para render homenagens a ele. Mas quem teve coragem moral para usar os mecanismos do poder e desafiar sua própria base eleitoral e mesmo muitas de suas próprias convicções, apoiando os “baderneiros”,   a desobediência civil, a liderança “perigosa” do pastor negro, foi o presidente texano, o  presidente branco, o presidente sem carisma e sem glamour, o presidente Lyndon B. Johnson.

Saí do cinema pensando em escrever essas palavras para o nosso governador. Que falta nos faz um pouco de grandeza! Que falta faz a compreensão do que difere o poder da força, o governo da ocupação de um cargo, o bem comum dos interesses de grupos, a democracia da mera obediência de regras.

Os gregos já diziam: “enquanto lembrarem de seu nome e de suas glórias, nunca estarás realmente morto!” Escrevo para reiterar que um governo democrático é o resultado da ação de homens inesquecíveis. Oxalá essa seja uma ambição ( legítima) do nosso governador.

 

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