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De que maneira todos devem ser iguais:
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A isonomia é já uma palavra conhecida nas rodas de conversa e mesmo nas salas de aula, esse espaço de obscurantismo e superstições. Trata-se do princípio grego da  igualdade de todos na lei e perante a lei,  isto é, a igualdade que deve estar presente tanto na pena do legislador quanto no chamegão do administrador e do magistrado.

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Aqui a lição dos gregos é balizamento e não delimitação. Não é possível uma simples transliteração. Isso porque os gregos – leiamos os atenienses durante o período da democracia que antecedeu a guerra do Peloponeso porque depois disso foi uma ladeira abaixo – que participavam das discussões na ágora eram iguais, sem distinção e, por isso, deveriam portanto sofrer um tratamento de igualdade.

No entanto, embora não seja sabido de todos, nossa democracia contemporânea abarca desiguais. É um problema mas fazer o que, não é?  Daí a necessidade de mitigar a isonomia dos gregos ( alguns consideram uma conspurcação) e passar a compreende-la como o ditame que exige tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais. E precisamos lembrar que nossa desigualdade é de diversas ordens e não deve se limitar a uma desigualdade de natureza econômica. É pouco. É insuficiente. Há também as desigualdades simbólicas, construídas historicamente – mulheres, negros, deficientes –  que precisam entrar na conta para esse ajuste da lei e perante a lei. Dá pra ver que a democracia hoje é um embrulho de bola.

Por lá, na Atenas de Péricles, a cidadania era o referencial definidor. Bastava ser homem, livre, filho de atenienses, ter uma idade mínima, ter cumprido o serviço militar e um renda mínima. Fácil. Quem tinha, tinha. Quem não tinha, paciência. Por aqui a questão é diferente. E paciência tá rara no mercado.

Como se sabe, na democracia contemporânea, não basta participar só da reunião da ágora, embora esse patamar já tenha sido uma dificuldade de alcançar. A questão é que quem tinha direito de participar da vida política não queria que esse direito fosse de muitos. Porque achava que era direito “dele”, como o carro é dele. E todo mundo com carro, onde esse mundo vai parar? Mas o tempo ensinou que mais gente queria participar. As mulheres e os pobres, principalmente. Até mesmo os que se recusavam a defender o país queriam o direito de escolher seus governantes. E mesmo os que não sabiam ler o nome dos candidatos e o seu programa de governo. O importante é que cada um é igual a cada um e quem não for igual a cada um e essa diferença diminuir a cidadania, que o Estado compense essa diferença e busque um patamar mínimo de igualdade.

Esse fundamento, inspirado nos gregos, esbarra porém naquilo que os gregos mesmo eram craques: a existência de extratos diferentes da sociedade. Para os atenienses lá do século V antes de Cristo, ir para a praça e participar era uma tarefa inspiradora, pois que os escravos, empregados, mulher e filhas ( e filhos menores) ficavam em casa cuidando das coisas. Por isso que a ideia de “contemplação “ ganhou força como sinônimo de “vida boa”. Sem precisar trabalhar, o ócio criativo é sopa no mel. Quem não ia querer? Discutir na praça, jogar um dominó, chopinho no Manekos, escolher um camarada para a assembleia, pegar um livrinho na livraria do sossego no parque Gomm, ir pra casa cochilar porque ninguém é de ferro. Êta vida boa!

Nossos “cidadãos atenienses” contemporâneos pegaram o bonde da democracia a grega e esqueceram que hoje não há (sic) mais escravos e nem mesmo as mulheres e as filhas ( e filhos menores) estão dispostos a fazer os trabalhos domésticos. Hoje todos querem o seu quinhão de cidadania e esse “todos” significa que é preciso distribuir o quinhão. E então vem a nostalgia dos “tempos bons” nos quais o quinhão era só de poucos e os muitos “sabiam o seu lugar”. E eram tempos “democráticos”, conforme os gregos.

Os gregos ainda ensinaram outras coisas que, curiosamente, nossos atenienses modernos convenientemente não colocam nos seus discursos: a isocracia, que era o princípio da igualdade de acesso aos cargos políticos. E a isegoria, que dava o mesmo tempo para todos participarem das decisões das assembleias defenderem seus argumentos.

Como eram loucos esses atenienses, diriam os nossos “democratas” modernos. Se fizéssemos isso agora, no que nos tornaríamos? Uma nova Cuba? Uma Coreia do Norte? Não, por favor. Precisamos de outro referencial. Até porque vivemos noutros tempos.

É, é isso, senhores. Vivemos noutros tempos.

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