Mais um ano, mais uma vez. As chuvas vem e os pobres sofrem. A vice- prefeita vai a um bairro da periferia e afirma que “em todo lugar está assim”. Um morador rebate: “na Batel está assim?”. Constrangida, ela responde: “não, na Batel não.”
A Gazeta do Povo de 11 de junho afirma que apenas uma cidade em cada quatro tem plano de contingencia para ajudar a população no caso de desastres naturais. Ou seja, chove e é a incompetência dos gestores públicos o principal responsável pelos danos aos moradores ( na sua maioria, pobres) atingidos.
E nas redes sociais pedem a solidariedade e a oração das pessoas. É fato e é lícito, legítimo. Mas não é suficiente. Não se trata apenas de um acaso, apenas de um imponderável, apenas de uma circunstância. Lá no século XVI, o mestre florentino Maquiavel já dizia que uma vez que nosso livre-arbítrio permanece, acredito poder ser verdadeiro o fato de que a Fortuna arbitre metade de nossas ações, mas que, mesmo assim, ela nos permita governar a outra metade quase inteira. (Capítulo XXV de O Príncipe). Se o rio enche e eu não construo barreiras para detê-lo, devo sempre colocar a culpa no rio?
Agora ficamos todos, incansáveis, em nossa discussão bizantina sobre a legitimidade da Copa, os benefícios da Copa, o legado dos estádios e aeroportos e avenidas de acesso. E dá-lhe chuva inundando a casa , derrubando a ponte mal construída, arruinando a estrada superfaturada Há dois dias, curitibanos enrubescidos de orgulho repercutem uma matéria de um jornalista espanhol afirmando que Curitiba “nem parece o Brasil”. Somos a Europa do imaginário fascista desses curitibanos cegos sobre o que acontece para além do molhadinho das calçadas de quase-granito da Batel. Limpinha, branquinha, arrumadinha. Isso pela lente de um jornalista de um país com mais de 25% de desempregados, a grande maioria jovens sem expectativa e quase sem futuro.
A chuva é um fenômeno natural, dizia-me a esforçada professora de ciências de minhas aulas do fundamental. O que não aprendi na escola foi que a incompetência e a insensibilidade dos gestores públicos que sequer enviam os relatórios para a obtenção de verbas de emergência e muito menos dedicam seus mandatos para garantir o bem comum de suas polis , investindo em saneamento, limpeza permanente de bueiros, moradias em locais seguros e longe da beira dos rios e encostas, pontes e estradas com estrutura que resista a mais de 100 mm de chuva, além da ignorância de muitos cidadãos que acreditam que aquilo que está na periferia de seu centro europeu imaginário não é seu nem lhe diz respeito.
Esses são desastres artificiais. E são, sem dúvida, os mais prejudiciais. Deus nos livre deles, um dia.
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