Jango foi deposto e partiu para o exílio. Essa é a história para ser contada.| Foto:

Que o passado ensinado é uma construção do historiador, todos sabemos. E que as evidências desse passado ensinado modifica nossas narrativas, isso é igualmente comum. O exemplo mais citado é o da guerra do Paraguai: de conspiração inglesa contra a emergência de uma nação “socialista” na América do Sul  a um conflito como expressão geopolítica regional, pelo menos  duas gerações de brasileiros cultivaram um “torcida” pelos paraguaios e seu títere irresponsável, Solano Lopez. Lembro-me, igualmente, da peroração em favor da Argentina na malfadada guerra das Malvinas, esquecendo-nos de que o conflito era apenas a  cortina de fumaça da mal cheirosa ditadura em escombros. Enfim, contar o passado não é só uma tarefa de análise de documentos: vão os corações e mentes inflamados na algibeira.

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Agora demos de reconstituir a farsa da renúncia de Jango, o presidente deposto por um golpe civil-militar em fins de março de 1964. Bom, nesta última frase que escrevi, o paradoxo que demonstra a razão dessa discussão: se o presidente foi “deposto” ele não “renunciou”.

É fato: Jango deixa Brasília e vai para Porto Alegre. O vice- presidente do Senado, o paulista Auro Moura de Andrade, declara o cargo vago e chama o substituto constitucional, o também paulista Ranieri Mazzili. Pronto, fecha-se a tampa do caixão do governo Jango. Foi um golpe. Só isso. Golpe. Esse é o nome do monstro.

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Porém, essa querela de “onde estava o presidente no momento em que Auro Moura declarou a vacância? “ é o motivo de um devolução simbólica do cargo a Jango que ocorre essa semana em Brasília. Depois de o Congresso atual anular a sessão que deu posse ao Mazzili, agora então, mudado esse fato, devolve-se o cargo ao presidente.

Besteira sem tamanho não posso dizer que não vi porque vivo vendo.

O presidente Jango foi deposto por um golpe civil-militar! Deixou Brasília para o exílio. Parou em Porto Alegre e de lá rumou para Montevidéu. Fim da história. Não é voltando o filme que os fatos mudarão. Pelo contrário, anuviam-se, perdendo seu caráter didático para as gerações atuais compreenderem a importância da defesa do Estado Democrático de Direito e dos perigos que o cercam.

Quando surgem novas evidencias, como as que apontam para o atentado de JK, aí sim temos um bom motivo para mudarmos nossas discursos em sala de aula e, felizmente, podermos falar com base em fatos: “JK foi eliminado por uma ditadura caduca mas ainda espumante de ódio!”.  No caso de Jango, o que diremos agora? Jango “continuou” presidente quando na verdade decidira, sensatamente, evitar um banho de sangue e partiu, dignamente, para o exílio? Os políticos da UDN e do PSD, ( muitos ainda vivos e exercendo funções importantes, como um certo senador pelo Amapá) tramaram uma rápida sucessão, atropelando as regras – porque afinal, naquele momento de golpe, “às favas” com as regras constitucionais – ou não, nada disso aconteceu, já que anulamos essa decisão espúria?

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Não é apagando o passado que o Brasil vai se tornar mais consciente de sua história. É revelando-a, com todos os seus erros e arbítrios, que poderemos mostrar às novas gerações a importância da democracia e os perigos a serem evitados.