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Há 32 anos sou professor de História. Quando comecei, no distante ano de 1983, os brasileiros haviam acabado de votar para governador e a emoção foi assim, parecida com um beijo. Votar é voltar ao sonho de se sentir cidadão, partícipe, condômino da grande e confusa nação brasileira. E eu, jovem e exultante, na sala de aula, dividia com meus alunos e alunas esse entusiasmo desse testemunho diário de um país em transformação.

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Vieram as grandes manifestações e cada esquina era um palanque, cada grupo de três era um partido com ideias, propostas, sonhos, querendo arrebentar a película cada vez mais fina da impossibilidade. Um entusiasmo só. Na escola, as aulas de História aproveitavam os Tiradentes, os Deodoros, os Getúlios, os Juscelinos e ainda, os Luiz Gama, os Andrades ( não o José, mas Mário e Oswald), os Astrogildos, os Franciscos ( Julião e Buarque) para falar em projetos e concretudes, desejos e realidades, em um carnaval de política.

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Sim, política. A escola virava uma ágora. Sim, uma ágora, aquele lugar no qual os atenienses soltavam a voz em busca do consenso que é o resultado da voz, da fala, do discurso, do argumento, do bom combate, da aceitação, da recusa, da construção de um fim comum que, de resto, guarda um pouco de mim, de você, do outro que não conheço mas que – aleluia! – é algo de todos e sim, assinarei e passarei a defender com a alegria do “nós”, tão mais rico e profundo que a solidão do “eu”.

E então veio a morte do velho político e o governo do velhaco, a crise econômica, as decepções, a corrupção, o sopro do arrependimento, as sereias com seus cantos autoritários e tudo isso foi para a sala de aula. Outras crises vieram à tona nos debates com alunos, outras experiências com suas permanências e mudanças, quantos aprendizados as manchetes dos jornais, os debates das tribunas, as críticas dos comentaristas traziam para àqueles jovens que depois de décadas de ditadura tentavam, afoitos e sem fôlego, na neblina e sem mapa, orientarem-se naqueles tempos novos e turbulentos.

Eu, como professor, era voz e ouvido. A escola, termômetro e pulsação. Os alunos, protagonistas desorientados. E o passado era o conselheiro de reflexões e atitudes.

E veio a Constituição cidadã, as eleições para presidente, com as torcidas e debates, mentiras e expectativas, as sereias do medo ecoando em tantos ouvidos, a ignorância como muralha para tantos e nós, professores de História, faróis tortos lançando luzes baças e inseguras. Foi o tempo de aprendizado de que ser professor é buscar a multiperspectividade, a problematização permanente, a coragem de que a sua opinião não é a resposta que o aluno quer ouvir e que a resposta que ele quer ouvir é o conhecimento consistente que o ajude a ter a própria opinião.

E veio o impeachment e as salas de aula ferveram novamente e o aprendizado se aprimorou. O passado da Brasil, do mundo, como mapa de referencia; os olhares para a Economia, a sociedade, a cultura, a Constituição, febris em busca de orientação. O futuro era a urgência do momento. O que fazer? Como esse professor pode me ajudar? E a profissão que escolhi para mim dava-me grandeza e exigia sobriedade e envolvimento. E como foi empolgante e recompensador!

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E assim foram os anos de FHC, Lula e Dilma. E assim é até hoje. A escola como o lugar da Política, a escola como espaço público e como formação para os demais espaços públicos. A escola como lugar de aprendizado, a escola como lugar de troca. A discussão democrática, o debate respeitoso, o ardor e a frustração como partes do processo da construção do consenso que é a única saída, a última saída.

Sem a escola, a Política não avança. Sem a Política, a escola perde parte importante de sua função.

Só as sereias com seus cantos autoritários dizem o contrário, atraindo os incautos para as rochas . E só a escola e suas aulas de História são capazes de ensinar o que são, realmente, as sereias.