Uma imagem interessante povoou a internet por esses dias. Duas moças subiam a escada rolante que descia. E era um avanço lento e penoso. Um rapaz  que descia tranquilamente, passou por elas entre perplexo e curioso, pensando ser algum tipo de “pegadinha”, tão comum nesses tempos de “artistas” da internet. Mas não era. O próprio rapaz que filmava, entre uma risadinha e outra, não se conteve e praticou a boa ação: Não é por aí que sobe, moças! E por aquela outra escada ali!

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Vendo a imagem, o primeiro pensamento que me ocorreu foi: e elas votam!

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Depois fiquei passando a minha frase pelo filtro do politicamente correto. Não será preconceito da minha parte? Pobres moças, qual o problema de elas nunca terem ido a um shopping? E por que isso afeta a capacidade de votar?

Pensei, pensei e continuei com a frase na cabeça. Não se tratava de pouca idade ( não eram nem adolescentes, eram duas mulheres adultas) nem de pouca experiência. Trata-se de um sequestro cognitivo. As moças ficaram minutos remando contra uma escada que descia! Não conseguiram atinar que alguma coisa estava errada! Não voltaram ( bastava que ficassem paradas e a escada as levaria de volta para o chão) para então perguntar a alguém qual o “problema”. Não. Cabeça baixa, foram tentando vencer aquela escada que se opunha a elas como um sísifo moderno. Não havia ali a competência mínima para enfrentar um problema novo que se lhes aparecia ( e o que é normal , porque ninguém é obrigado a conhecer uma escada rolante), seja articulando seus próprios pensamentos, seja recorrendo a uma auxílio externo para esclarecer a dúvida.

E essa competência cognitiva é tarefa da escola. A escola é o lugar da socialização e da capacitação para a convivência no espaço público. Não que exija ensinar como se anda em shopping ( pelo contrário, poderia ensinar a usar os parques da cidade), mas exige ensinar como enfrentar uma situação desafiadora, avaliar as contradições, riscos e oportunidades e compartilhar dúvidas e ideias com outros , informando-se e aplicando os conhecimentos adquiridos para melhorar sua vida ou, como diziam os gregos, produzir uma vida boa.

E aí chegamos ao meu pensamento: e elas votam! Como será que exercem esse momento de suas cidadanias? Informam-se sobre quem votar, qual cargo, que ideias compartilham com os candidatos, que projetos anseiam em comum para o futuro do país. Afinal, o político eleito será um representante dessa vontade delas. Agirá como um mandatário de seus eleitores, em nome deles ( “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido…). E elas votam!

Ok, ok, pode ser um excesso. Quem sabe o fato de ficarem perplexas diante daquela escada que se mexia sozinha nada tem a ver com a capacidade e o discernimento delas em relação aos problemas de sua comunidade, de sua rua, da sua igreja, da sua família. Sim, sem dúvida, é possível. Mas quanto a votar para senador e para presidente: quais os parâmetros?  Apenas o rio da aldeia delas? Nunca o Tejo? Afinal não somos só a comunidade da rua e do bairro. Somos uma nação e embora eu provavelmente nunca conheça a usina hidrelétrica de Belo Monte, quero saber o que o próximo presidente pensa sobre ela. E sobre o marco civil da internet e sobre as obras no São Francisco e sobre os critérios de escolha dos ministros do STF e até mesmo sobre as eleições indiretas para a UNE.

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A escola precisa ser um lugar de aprendizado para a cidadania. Escolha de pauta, apresentação de repertórios, delineamento dos diversos aspectos que marcam um assunto, discussões para capacitar para o argumento, entre tantas outras práticas e reflexões sem as quais subir na escada rolante que desce torna-se apenas a parte pitoresca do exercício público da vida. O resto torna-se sombrio.