Martin Scorsese é, na minha opinião amadora ( de quem ama o cinema), um dos maiores diretores da atualidade. Essa semana fui ver sua última grande obra e sai da sala escura com a imagem do olhar do policial no metrô impressa na minha retina.
Não vou contar o filme para não ser estraga prazeres, mas algo posso dizer sem pudores: o filme é o reconhecimento de que a canalhice é um componente fundamental para o sucesso no capitalismo contemporâneo. E a obediência às leis e à ordem, ao trabalho duro e honesto, um pressuposto que só os fracos e perdedores seguem. Scorsese estampa isso no seu filme sem filtros ou sutilezas. O personagem central, interpretado por Leonardo DiCaprio, é um homem que seguiu maus conselhos e se deu bem. Passou a vida enganando os outros, vendendo como fácil o sonho de ser rico e famoso e se tornou rico e famoso enquanto seus clientes se estrepavam. É fato que teve os contratempos próprios de uma profissão perigosa, mas o resultado é que, como já lembrava Woody Allen em uma pérola de 1989, o par dos crimes são os pecados e não necessariamente o castigo. O filme de Scorsese se baseia no livro do próprio canalha, que vive hoje de palestras e da venda de suas histórias.
Muita gente vem criticando o diretor ítalo-americano de fazer o elogio do canalha. Não acho. Para mim, a cena mais marcante do filme, é o olhar do policial no metrô, um casal de idosos orientais mal vestidos na sua frente. Enquanto isso, em um corte rápido da câmera, uma multidão de outros pobres mal vestidos assistiam, ávidos e atentos, aos conselhos do vendedor canalha, sonhando em aprender seus truques e obter seus mesmos resultados.
Rousseau, todos sabem, compôs uma das páginas mais marcantes do pensamento iluminista na obra publicada em 1755, da origem da desigualdade dos homens. Nessa obra, um dos trechos mais reproduzidos é o que diz: “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, disse ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples para respeitá-lo. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teriam evitado à humanidade aquele que, arrancando as estacas desta cerca (…), tivesse gritado: ‘não escutem esse impostor, pois os frutos são de todos e a terra é de ninguém'”
Tenho lido esse trecho desde meus tempos de estudante. E, assim como no filme de Scorsese o olhar do policial me marcou enquanto centenas de pobres ávidos escutavam o esbulhador, o que me chama atenção no texto de Rousseau é a frase: não escutem esse impostor. Aí está o problema: quem é que não quer escutar o vendedor de fama e riqueza?