Aristóteles, leitor do rolezinho.| Foto:

 

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O bom e velho Aristóteles já dizia que o comportamento humano só pode ser julgado  de maneira adequada  em termos morais se levarmos em consideração as circunstâncias empíricas dos atos. Uma virtude não é uma virtude, assim de pronto. Por exemplo: o que é coragem para um soldado pode ser um suicídio para um cidadão comum. O que é moleza para um orador não pode ser exigido de um tímido inveterado, e assim por diante. O condicionamento pessoal e as circunstâncias externas definem uma ação como moralmente virtuosa ou condenável.

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Gastar é um exemplo muito interessante desse relativismo moral de Aristóteles. Gastar 500 reais em um jantar, quando se acabou de ganhar na mega da virada, não parece ser imoral. Mas quando recebeu o contracheque com o salário mínimo, um absurdo digno de manicômio. Assim, entre o perdulário e o avaro não uma regra fixa, mas as circunstâncias delimitadoras.

A diversão, da mesma forma, atende à critérios de condições pessoais e contexto favorável para serem consideradas comportamentos adequados. É o caso dos shoppings. Eles são espaços para o lazer comportado, bem vestido, refinado, em voz baixa e caminhar compassado, com frequentes paradas nas lojas e, preferencialmente, com a aquisição de objetos ou serviços no seu interior. Pessoas treinadas para esse ambiente frequentam adequadamente, sem causar estranheza ou condenação. É o comportamento moralmente aceitável, na visão do filósofo estagirita. O excesso de zelo, como ficar em silêncio meditativo no pé da escada rolante, ou a falta absoluta dele, como colocar o som do funk ostentação no último volume, são igualmente condenáveis. Aristóteles é quem afirma.

No entanto, esse apego ao empírico em Aristóteles o fez considerar a Justiça assim como a moral, ou seja, dependente das circunstâncias. Por isso distinguiu uma  “justiça distributiva” e  uma “justiça equitativa”. A primeira refere-se ao mérito, ao que cabe a cada um pelo que ele faz. O cara que ganha bastante para que sobre, que se esforçou ( ou herdou, tanto faz)  e que portanto merece um reconhecimento pelo que fez, como, por exemplo, ter um shopping para chamar de seu, merece um shopping para chamar de seu. Qual é o problema? E não somente um shopping, mas outros ambientes nos quais exercer sua expressão cultural, seus encontros com amigos, suas diapasões e folguedos, dentro dos padrões considerados adequados para o seu universo cultural e idiossincrático. Daí os parques, as praças, as ruas calçadas e ambientes gastronômicos curiosamente chamados de “sohos”. É fruto do mérito, afirma o filósofo. Por isso vale.

Mas há a justiça equitativa, que Aristóteles comparou com o meio aritmético entre dois extremos e que considera a necessária correção de distorções entre o muito e o pouco, por meio da ação pública, de forma a compensar os que são destituídos mas que nem por isso são isentos de pretensões de também terem um shopping para chamar de seus. Mas não somente shopping: parques e praças em seus bairros. Locais permanentes para seus folguedos e diapasões. Pontos de encontro seguros e bonitos para o exercício de suas manifestações idiossincráticas. Cinema, teatro, circo, pista de skate, e tantos et coetera quanto forem as naturezas culturais próprias a serem manifestas.

Do que se pode concluir que Aristóteles pensou esse novo fenômeno brasileiro com uma acuidade impressionante. Só nossos gestores públicos, incapazes e incompetentes é que não enxergam o óbvio. Ou investem em espaços de cultura e lazer nos bairros, criando ambientes para o exercício de cidadania digno e merecido para todos, ou haverá tensão e conflito, discriminação e violência. Que a cidade seja pontilhada de espaços públicos para que os “rolezinhos” se democratizem e que a cultura circule livre e agradavelmente. O estrangulamento de espaços culturais permanentes nos bairros empurram os jovens para os shoppings e todos perdem. E só há um responsável: o poder público que é cego e surdo ao que a cidade clama. Aristóteles neles!

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