O Congresso Nacional (à esquerda) e o Palácio do Planalto (ao fundo) vistos a partir do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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Ao tratar dos deputados e senadores, o artigo 53 da Constituição brasileira diz expressamente que eles “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Essa inviolabilidade é um dos núcleos duros do nosso sistema democrático e se desdobra no § 2.º deste mesmo artigo, que veda a prisão dos membros do Congresso Nacional, “salvo em prisão em flagrante de crime inafiançável”. Caso esta se dê, o dispositivo ordena ao Poder Judiciário a remessa dos autos “à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

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Porém, o que significa a locução constitucional “resolva sobre a prisão”? Quais competências esse preceito atribui ao Congresso Nacional? Afinal, dentre outros significados, o verbo “resolver” expressa tanto a ideia de “fazer desaparecer” quanto a de “tomar uma determinação”, passando por “encontrar a resposta” e “tornar nulo”. Como descobrir o conteúdo, limites e possibilidades de ação? A resolução tem conteúdo político ou jurídico? A resposta está na própria Lei Fundamental brasileira.

O ato de “resolver sobre a prisão” é eminentemente político, não jurídico. Não cabe ao Congresso a revisão jurídica em sentido estrito das decisões que decretam prisão em flagrante de parlamentares

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A Constituição não proíbe que, em determinadas circunstâncias, deputados e senadores sejam presos. Ela apenas condiciona a validade da prisão à sua imediata confirmação (ou não) pelo Congresso. A razão de ser da norma é a de impedir abusos, inclusive a fim de que as “opiniões, palavras e votos” dos membros do Poder Legislativo não sejam violadas por quem quer que seja (nem mesmo pelas demais autoridades constituídas).

Contudo, haverá casos em que as “opiniões e palavras” (jamais os votos, estes nunca) podem também configurar crime? E esse crime pode ser controlado em flagrante? O assunto é muito sensível, eis que envolve outra garantia inviolável: a liberdade de expressão. Mas como isso pode acontecer? Podemos refletir a propósito de casos tipificados em lei, sobretudo naqueles em que a pessoa ultrapassa a linha divisória entre a liberdade de expressão e a ameaça. Uma coisa é expressar livremente suas próprias ideias (e até ofender); outra são manifestações que incitem, individual e coletivamente, a prática de crimes graves. Se tais manifestações forem praticadas por membros do Congresso Nacional, pode-se cogitar da competência exclusiva do STF para averiguar se existem os pressupostos penais para a “prisão em flagrante de crime inafiançável”.

O exame feito pelo STF, portanto, pretende-se exclusivamente jurídico. Não precisamos nem concordar nem gostar da decisão que eventualmente ordene a prisão. Porém, fato é que ela pauta a análise jurídica dos elementos do crime: o dolo e os aspectos materiais da conduta. Esta análise é privativa do STF. Se ele julgar, ainda que em sede liminar, que a conduta é típica, antijurídica e culpável, habemus crimen. Se decidir que se trata de crime inafiançável em estado de flagrância, o aspecto jurídico em sentido estrito da prisão em flagrante está posto.

Logo, o que cabe ao Poder Legislativo? Seriam Câmara e Senado instâncias revisoras, a avaliar tecnicamente se existe erro ou acerto na decisão do STF? A competência estatuída no artigo 53 da Constituição positivaria espécie de segundo grau de jurisdição, a autorizar o reexame da qualificação jurídica dos fatos? Parece-me que não. O ato de “resolver sobre a prisão” é eminentemente político, não jurídico.

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Assim como o STF não tem competência para exame de atos e fatos interna corporis do Congresso Nacional, a este não cabe a revisão jurídica em sentido estrito das decisões que decretam prisão em flagrante de parlamentares. A competência do Legislativo tem fonte jurídica, mas o seu conteúdo é eminentemente político. Lembremo-nos dos processos de impeachment: o rito é jurídico, mas o conteúdo dos votos é político em seu estado puro. Os deputados e senadores podem até se referir a assuntos de direito, mas deles apenas se demanda um juízo político a respeito dos eventuais crimes de responsabilidade praticados pelo presidente. Justamente por isso o STF não pode julgar o mérito da decisão – mas, quando muito, o seu devido processo legal. Isso da mesma forma que o STF não poderá controlar o conteúdo do ato parlamentar que “resolva sobre a prisão”.

O controle político do Congresso Nacional quanto a prisões em flagrante de parlamentares em crimes inafiançáveis pode ser vislumbrado sob dois ângulos: o primeiro é a constatação de que houve efetivo abuso de direito ou violação a garantias constitucionais mínimas. O segundo, especialmente quando envolver “opiniões e palavras”, estará na fronteira entre liberdade de expressão e condutas criminosas. Se apenas houver nítido exercício das liberdades fundamentais, voltamos à prisão abusiva. Inclusive, o Congresso pode decidir que houve legítimo exercício político da função parlamentar e que, qualquer que seja o conteúdo da manifestação, ela foi efetivada sob essa proteção. Todavia, não pode dar um passo avante: no que respeita à qualificação jurídica da conduta como criminosa, deve-se atenção ao julgamento do STF. O Congresso Nacional não é instância revisora.