Muitos falam que o mundo permanecerá igual. Estaríamos a viver um longo instante suspenso no ar, até que a tragédia seja derrotada. Depois, tudo voltaria a ser como antes. Embora desejasse que assim fosse, não acredito nesse veredicto, sobretudo quanto às profissões que exerço. Já escrevi sobre a reinvenção da advocacia. Mas, talvez mais do que ela, os professores de direito precisarão se redescobrir. A profissão não sobreviverá se permanecer atada ao passado.
Já há algum tempo, existem no Brasil movimentos significativos. Basta mencionar as escolas de direito que, ao contrário de focar em leis e doutrinas ancestrais, levam ao aluno problemas a ser resolvidos. A metodologia do estudo de casos tem implicações significativas: o protagonismo do corpo discente, a maquinação de soluções e a correspondente visão prospectiva do fenômeno jurídico. Outro modo de pensar o direito, que visa a criar soluções.
Porém, essa é só uma das transformações. Bem mais pacífica do que aquelas que há pouco ingressaram na nossa vida de forma avassaladora. Estas impõem o repensar dos métodos e da convivência professor-aluno, sobremodo em decorrência dos ambientes digitais. Não se trata de escolhas, são imposições. Compartilho algumas inquietações dessa obra em construção.
A primeira é a convivência professor-aluno. Outrora centrada na sala de aula, virou um conceito digital. São pixels que convivem entre si. Esses ambientes virtuais estampados nas telas de computadores e de telefones exigem interações equivalentes. Uma coisa é a sala e a unidade física do conjunto. Outra, é a cibernética fragmentação que une seres humanos e máquinas. Esta não proíbe o contato, mas o altera, ao revelar inéditos mundos de interação propositiva.
No universo digital, as exposições, perguntas, diálogos e interesses são distintos. A ausência de pessoas umas ao lado das outras, e do professor próximo delas, desse sentimento de vivência comunitária que tanto me emociona, modificará o sistema e a lógica das relações acadêmicas. As regras serão diversas daquelas da nossa formação, com o detalhe de que não estão prontas. Seremos professores de nós mesmos e aprenderemos (mais ainda) com os alunos.
Também podemos pensar no desafio de prender a atenção e instalar o engajamento. Aulas supostamente magistrais, com 50 minutos contínuos, nunca mais (a não ser que apreciemos alunos dormindo, literalmente, no sofá de casa). Essa passividade expositiva já havia se mostrado ineficaz e o isolamento social acelerou o fenômeno.
A vida acadêmica precisará ser cada vez mais ágil, com perguntas, jogos e atividades a cada 15-30 minutos. Quem sabe mais de um professor no mesmo ambiente virtual, promovendo diálogos dinâmicos. A sala de aula precisará ser digitalmente invertida (alunos protagonistas e professores incentivadores).
Se pensarmos na capacidade de síntese, o desafio será ainda maior. Mesmo os temas que autorizam longo desenvolvimento precisarão ser reduzidos. Apenas o mais importante do mais importante poderá ser verbalmente compartilhado nas aulas síncronas. O professor deverá aprender a ser útil ao aprendizado do aluno naquele curto espaço de tempo.
O que demanda outra concepção e manuseio do material de apoio. Qual será o destino dos livros jurídicos, artigos e acórdãos? Como incentivar a leitura daqueles temas fundamentais? Os manuais experimentarão seu fim? Vale o texto inteiro, só um pedaço, ou é melhor a página de Powerpoint, combinada com o podcast de 10 minutos? Quando deverão ser apresentados? Como se constatará a leitura? Por enquanto, só dúvidas que exigirão maior atenção à qualidade do material didático.
Talvez a cereja do bolo sejam as atividades avaliativas: provas em ambientes não-presenciais. Como o professor conseguirá avaliar e a instituição de ensino poderá certificar que aquele aluno experimentou o processo de aprendizado definido no programa? Precisaremos aprender a avaliar à distância, por meio de instrumentos digitais que permitam a demonstração, pelos alunos, do conhecimento adquirido. Mas precisamos saber avaliar, cada vez mais a sério: não podemos cair em tentação e violar a promessa da formação universitária.
Estes são apenas alguns dos desafios presentes. Para este que vos fala, são, ao mesmo tempo, fortes e muito estimulantes. Estou ciente de que mais de 90% do universo de estudantes do ensino médio está em casa, boa parte deles convivendo com educação remota, em atividades síncronas e assíncronas. Daqui a um par de anos, serão eles a ingressar nas universidades, com outras cabeças e distintas concepções do que vem a ser o aprendizado. O desafio é magnífico e dramático, devido à sua razão de existir. Constatação que só incrementa a responsabilidade do professor e a honra do encargo que lhe foi atribuído. Tenho comigo que não existe qualquer graça em repetir continuamente o passado e celebrar a estabilidade. Este professor de direito precisa aprender a ajudar os alunos a desenvolver conhecimento nesse mundo de isolamento social, demonstrando que o aprendizado, a educação, é o que nos salva, eis que consegue nos tornar humanos. E, até hoje, o direito é o que de melhor conseguimos inventar para proteger a nossa condição humana.
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