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Egon Bockmann Moreira

Egon Bockmann Moreira

Reitores temporários: uma medida contra a autonomia universitária

Vestibular UFPR 2019/2020
MP autoriza que o ministro da Educação designe reitores e vice-reitores por incerto período temporário. (Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo)

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A comunidade universitária brasileira foi surpreendida com a edição da Medida Provisória nº 979/2020, que dispõe sobre a “designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino superior durante o período da emergência de saúde pública”.

A MP suspende as consultas públicas em curso para a definição da lista tríplice a ser submetida ao presidente para nomeação dos futuros reitores. Além disso, autoriza que o ministro da Educação designe reitores e vice-reitores por incerto período temporário (enquanto durar a pandemia).

Em português claro: a MP suprime a autonomia universitária, ao instalar medida de exceção sem nexo de causalidade com a pandemia. Ela não tem base em qualquer evidência nem deriva de qualquer pleito das instituições em jogo. Ela suspense as consultas públicas em curso e permite intervenção em todas as universidades federais, por meio da nomeação de reitores provisórios, a livre talante do Ministério da Educação.

Essa MP tem suma importância, presente e futura. Além de seus imediatos efeitos, ingressará nos anais e servirá de exemplo de controle de constitucionalidade de medidas provisórias, tamanho o número e a extensão de vícios nela contidos. Vamos a alguns deles.

Em primeiro lugar, ela não demonstra o nexo de causalidade entre o seu motivo e os respectivos efeitos. Não há evidências disso. O motivo é inconsistente, tanto em termos jurídicos como lógicos. Isso porque as ações estatais – sobretudo as legislativas, como a MP – destes tempos excepcionais requerem a comprovação de seu vínculo com a pandemia. Não se pode simplesmente invocar a covid-19 para implementar qualquer ação pública excepcional, mas é imprescindível demonstrar o porquê dessa ação e a sua causalidade direta com a pandemia. Isso não se passou na MP 979/2020, que opera em desvio de finalidade legislativa, ao eleger motivo dissociado do fim a que se destina. A MP estampa uma só realidade: o desejo de intervir na gestão de instituições públicas de ensino superior.

Depois, a MP não indica onde estaria sua relevância e urgência, mas apenas proíbe eleições e autoriza nomeações. Desobedece o art. 62 da Constituição brasileira. Não se sabe porque a assim-dita “solução” de nomeação provisória de reitores consubstanciaria, hoje, uma necessidade que exige solução imediata, sob pena de perecimento do interesse público. Por que não se consultou as instituições afetadas? Por que não se prorroga os mandatos dos atuais reitores? Por que a solução interventiva é a melhor? Sem demonstração de sua relevância e urgência, a MP é inconstitucional.

Em terceiro lugar, o art. 207 da Constituição prevê literalmente que as “universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Ora, a nomeação unilateral de “reitores-interventores”, numa “provisoriedade indefinida” (enquanto durar a pandemia), agride de modo frontal o art. 207 da Lei Fundamental. Qualquer supressão da autonomia – por menor e mais precária que seja – implica desrespeito insanável à Constituição – que precisa ser levada a sério.

Quando, em 1995, eu fui o consultor jurídico do Ministério da Administração Pública e Reforma do Estado, corria uma anedota nos corredores do Palácio Alvorada, todas as vezes em que se discutia a edição de uma medida provisória. A história era sobre antigo ministro da Fazenda, que sempre perguntava “quão inconstitucional era a medida” – se fosse “muito inconstitucional”, não valeria a pena ser editada; mas, se fosse “mais ou menos inconstitucional”, que se a editasse e se garantisse a arrecadação.             Não tive como deixar de me recordar dessa história verdadeira, de tempos que ainda não havia a modulação de constitucionalidade. Afinal, a MP 979/2020 é “muito inconstitucional”; “flagrantemente inconstitucional”, sem a menor chance de resistir ao controle judicial.

Em suma, não precisamos gostar de consultas públicas para a escolha de reitores e vice-reitores. Tampouco necessitamos apreciar a gestão das universidades públicas. Podemos sempre delas divergir. Inabdicável e incontornável é o respeito à Constituição: a mesma norma jurídica que atribui competência ao Presidente da República para adotar medidas provisórias é aquela que o proíbe de editar a MP 979/2020.

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