A arbitragem é modalidade de jurisdição livremente eleita pelas partes. Quem a rege é o contrato, o pacto de vontades. Em sentido oposto, o Poder Judiciário é definido pelo legislador, sobretudo o constituinte. Suas regras são comuns a todos, codificadas. Ambos são métodos de solução de conflitos, cada qual com suas peculiaridades distintivas. Mas têm algo em comum: são jurisdições e produzem decisões com força de lei.
Quando limitada às pessoas privadas, a jurisdição arbitral enfrenta certas provocações: desde a instalação do tribunal até a execução da sentença (e arguições de nulidades), passando por condutas oportunistas dos litigantes. O processo é sofisticado, com algum glamour e muitos segredos (sua quase-unanimidade é confidencial, em obediência à vontade das partes). Já a arbitragem com a administração pública contém esses e muitos outros desafios.
No caso brasileiro, as arbitragens público-privadas são, desde sempre, permitidas. Todavia, experimentaram enorme resistência, com lastro em argumentos que poderiam ser sintetizados na suposta impossibilidade de árbitros “privados” julgarem causas envolvendo a sacralidade do “interesse público”. A bem da verdade, essa compreensão pecava por não entender do que se trata a arbitragem (dentre outros preconceitos). Esse tempo já passou.
O STJ decidiu que a jurisdição arbitral tem primazia quanto à definição da própria competência
Depois da positivação da arbitragem público-privada na Lei 9.037/1996 (em 2015, por meio da Lei 13.129), quem a determina é o princípio da legalidade. Situação que se acentuou no caso da União, do Rio de Janeiro e de São Paulo, possuidores de regulamentos que disciplinam tal método de solução de conflitos, em fiel execução à lei. O caminho já está estabelecido e será reforçado pelas futuras leis de licitações e concessões – cujos projetos expressamente preveem a arbitragem (e outros métodos adequados de solução de conflitos).
Mas nem tudo são flores, como ficou claro no caso Petrobras – ANP. Nele, foi necessária a intervenção do Poder Judiciário para fazer valer a cláusula compromissória. Houve intensa litigiosidade por meio de medidas antiarbitrais, a culminar no julgamento, pelo STJ, de conflito de competência, suscitado entre o Tribunal Arbitral, o Tribunal Regional Federal da 2.º Região e, também, a Justiça Federal de primeiro grau. Julgadores demais para um só caso, convenhamos. Alguém precisava arrumar essa confusão – e o STJ foi esse alguém.
Muito embora eu nutra reservas técnicas quanto ao conflito de competências (eis que o julgador do conflito jamais poderá ser órgão revisor da futura sentença arbitral), fato é que funcionou. O STJ decidiu que a jurisdição arbitral tem primazia quanto à definição da própria competência. Quem primeiro pode dizer se o conflito pode (ou não) ser submetido à arbitragem são os próprios árbitros, em qualquer caso. Ao que tudo indica, essa compreensão será prestigiada nas futuras arbitragens – aplicando-se não só a lei, mas o precedente jurisdicional.
Ocorre que existem outros atores nos litígios público-privados, que tendem a, se provocados e mesmo de ofício, instalar dissonâncias por meio de ordens e recomendações. Vou me ater aos Tribunais de Contas e suas liminares, useiras em suspender procedimentos, atos e contratos administrativos.
O que aconteceria se a Corte de Contas se visse diante de procedimento arbitral público-privado e resolvesse emitir provimento que, por exemplo, suspendesse a arbitragem? Ou a anulasse? Haveria conflito de competência?
A resposta é simples e uma só: em face do Tribunal Arbitral, nada sucederia. Não haveria conflito, vez que os provimentos dos Tribunais de Contas são atos administrativos de controle externo da administração pública. Pode-se dizer que exercem função quase-jurisdicional, mas o seu regime jurídico é o de direito administrativo. Não são órgãos jurisdicionais: não exercem tal competência, eis que não a detêm. Pretender inibir arbitragens seria o mesmo se os Tribunais de Contas emanassem ordem liminar suspendendo o julgamento de uma ação no STF: a questão simplesmente não se põe.
Depois da positivação da arbitragem público-privada na Lei 9.037/1996 (em 2015, por meio da Lei 13.129), quem a determina é o princípio da legalidade
Logo, não cabe ao Tribunal Arbitral preocupar-se com eventuais decisões das Cortes de Contas. Atos administrativos não se sobrepõem à jurisdição arbitral.
O que importa dizer que não existe conflito de competência entre os Tribunais de Contas e os Tribunais Arbitrais. Estes possuem primazia, inclusive em face dos órgãos de controle e, especialmente, quanto à qualidade de suas decisões. As sentenças arbitrais geram efeitos entre as partes e têm, mesmo perante terceiros, a qualidade de sentença proferida pelo Poder Judiciário. Se me permitem a analogia, têm valor equivalente a acórdãos do STF, transitados em julgado: são intocáveis pelos órgãos de controle, inclusive os Tribunais de Contas.
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