O mundo musical adora centenários, bicentenários, números redondos que marcam o nascimento de grandes músicos, de grandes obras. 2013 é pródigo em aniversários musicais. No dia 22 de maio, por exemplo, comemorar-se-á o bicentenário do nascimento de Richard Wagner (1813-1883), e exatamente no mesmo mês , 29 de maio, o mundo musical se prostrará diante do centenário da tumultuada estreia de “A Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky. Aliás que estranha coincidência: Stravinsky odiava a música de Wagner. Em termos de comemorações Wagner terá neste ano duas datas especiais, visto que o compositor morreu em 1883, no dia 13 de fevereiro. O mundo musical, com grande dor, lembrar-se-á então dos 130 anos da morte do grande músico alemão. Coincidência ou não no ano em que nasceu Wagner nascia na Italia um grande rival do compositor alemão: Giuseppe Verdi (1813-1901)
. Tal aniversário de bicentenário do nascimento de Verdi dar-se-á em 10 de outubro. Não bastassem tantas datas comemorativas 2013 marca também o centenário do nascimento do mais importante compositor inglês do século XX: Benjamin Britten. Coincidência ou não o grande compositor inglês nasceu no dia de Santa Cecilia, a padroeira dos músicos, 22 de novembro. A esta lista de aniversários vou lembrar o centenário de uma obra que julgo extremamente importante: Jeux (Jogos) de Debussy. Coincidência ou não Jeux foi estreado no mesmo teatro que assistiu o escândalo de “A Sagração da Primavera” , o Champs-Élysées, algumas semanas antes (15 de maio). Apesar da importância de Jeux, seu centenário será ignorado. Poucos percebem a importância desta obra de Debussy, sua última composição orquestral, mas sua construção formal é tão revolucionária quanto os ritmos inusitados da obra prima de Stravinsky. Podíamos fazer um roteiro assim: Debussy que era amigo (apesar de falar mal dele pelas costas) de Stravinsky, que por seu lado odiava Wagner, que por seu lado era rival de Verdi, que era admirado por Britten,de quem Stravinsky falava horrores. Em resumo, estes centenários e bicentenários mostram também o lado “irônico” do meio musical. O que é seguro: todos os envolvidos foram geniais.
Wagner – Duplo aniversário
Sem dúvida alguma o bicentenário do nascimento de Richard Wagner será a data mais marcante deste ano de (bi) centenários. Wilhem Richard Wagner foi, junto com Beethoven (1770-1827), um dos músicos mais influentes da historia da música. A lista de compositores que de alguma maneira foi influenciada por Wagner é enorme: Anton Bruckner, Cesar Franck, Bedrich Smetana, Gustav Mahler,Richard Strauss, Arnold Schoenberg, Alban Berg, Giacomo Puccini e mesmo compositores que odiavam sua música, como Claude Debussy. As sensações eróticas de seu “Prelúdio para A tarde de um fauno” seriam impensáveis sem as texturas eróticas de “Tristão e Isolda”. Mesmo o grande rival de Wagner, Verdi, acabou se influenciando, especialmente em sua ópera Otello (escrita depois da morte de Wagner), com harmonias “tristanescas” e com uma ausência de pausas entre os números musicais, além do uso dos assim chamados “leitmotiv” (motivos condutores). É fácil constatar que sem Wagner a música ocidental seria completamente diferente.
A veneração por Wagner foi alimentada por sua existência errática, e pela demorada aceitação de sua arte. Homem ambicioso conseguiu em vida ver um teatro ser construído para a execução de suas obras. Esta glorificação fez dele, um ex-revolucionário exilado, tornar-se um músico favorito de um rei. Se no início foi endeusado pelo filósofo Nietzsche (1844 -1900), o mesmo filósofo tornou-se um inimigo do compositor, ao velo implorando por favores ao rei da Baviera Ludwig II. Para conhecermos melhor a mente do compositor é interessante conhecer a obra em prosa de Wagner (tenho uma edição em 13 volumes)onde ele trata de assuntos bem diversos, do vegetarianismo, à valorização da mulher, da maneira de se encarar a arte até o questionamento do judaísmo. Aliás, este assunto lhe valeu até hoje a proibição da execução de suas obras em Israel, mas vale a pena lembrarmos que o próprio Wagner escolheu um maestro judeu, Hermann Levi (o sobrenome não deixa dúvidas), para reger a estreia de sua última ópera, Parsifal, em 1882. Os descendentes de Wagner tornaram o seu legado um objeto de culto dos nazistas e a viúva de Wagner, Cosima ( filha de Franz Liszt), abriu a porta para o racismo. Sua nora,Winifried, num casamento arranjado para disfarçar o homossexualismo do filho de Wagner, essa sim, promoveu definitivamente a nazificação da obra de Wagner, levando inclusive papel para que Adolf Hitler escrevesse na prisão sua obra fundamental , “Minha Luta” (Mein Kampf).
O fanatismo em relação a Wagner, e o envolvimento com o nazismo de seus descendentes, não deve ocultar a profunda beleza de sua obra. Autor de seus próprios libretos, as óperas de Wagner são descritas pelo jovem Nietsche, como o renascimento da tragédia grega em pleno século XIX.
Na obra do grande filósofo “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música” (magnificamente traduzida para o português por Jacó Guinsburg, infelizmente em edição já esgotada) creio que a importância da obra wagneriana fica bem evidenciada. Wagner defendia a ideia de que arte não é diversão, e sim um instrumento para o aprimoramento espiritual. A obra de Wagner, nos últimos anos, ganhou uma grande aliada: as legendas. Desde o lançamento de suas óperas em vídeo, os textos das obras do autor passaram a ser inteligíveis para todos, e neste momento o ouvinte pôde perceber a totalidade da sua obra.
Para concluir citarei uma entrevista realizada com o grande maestro italiano Arturo Toscanini (1867-1957).Essa entrevista existe em vídeo , e a emoção da voz do maestro é muito comovente. Ao ser indagado por que ele não compunha mais, disse o velho maestro (nesta entrevista ele já tinha 85 anos) que, quando jovem, ao entrar num teatro a orquestra estava ensaiando o Prelúdio da ópera Lohengrin. Segundo suas palavras, um simples acorde de lá maior nos instrumentos agudos ia aos poucos sendo envolvido por todos os instrumentos da orquestra, e aos poucos toda a massa orquestral, de forma gradativa, preenchia um grandioso tutti, e aos poucos esta massa se dissolvia, e a obra concluía no mesmo acorde de lá maior, nos mesmos instrumentos agudos. Segundo Toscanini, ao presenciar a existência de tal genialidade musical, ele desistiu de compor. Eu que tenho sérias restrições às interpretações de Toscanini, considero que seu amor por Wagner permanece em suas execuções do mestre alemão.
Neste ano , de tantos aniversários, escreverei diversos posts sobre Verdi, sobre Britten, sobre “Sagração” e “Jeux”.
Mas sem dúvida escreverei muita coisa a respeito de Wagner.
Um primeiro contato
O Prelúdio do Primeiro ato de Lohengrin é uma excelente porta de entrada para a obra Wagneriana. Achei no Youtube esta execução da Orquestra Filarmônica de Viena regida por Claudio Abbado. Nesta execução bem realizada percebemos em dez minutos a originalidade e a beleza da produção do grande compositor.