Em janeiro de 1974, em torno da cravista Ingrid Müller Seraphim e do maestro Roberto de Regina (também um excepcional cravista) reuniu-se um grupo de músicos que viria a se tornar um dos conjuntos musicais mais importantes do país: a Camerata Antiqua de Curitiba. A Camerata abriga hoje uma orquestra de cordas e um coral, aliás, o único (!!!) coral profissional do Estado do Paraná. Para a abertura da temporada 2014 da Camerata Antiqua, marcando os 40 anos do grupo, foi executada de forma absolutamente brilhante uma das composições mais importantes do compositor austríaco Joseph Haydn, a “Missa in Angustiis” ou “Missa Lorde Nelson”. Esta execução deixou bem claro o quanto este conjunto é capaz de realizar quando as condições se apresentam satisfatórias. A orquestra esteve extraordinariamente coerente, e a regência de um especialista em música antiga, Luís Otávio Santos, fez com que instrumentos modernos soassem de uma forma que hoje em dia chamamos de “historicamente informada”. Quanto ao coro acredito que o trabalho da maestrina Maria Antonia Jimenez tem apresentado resultados absolutamente surpreendentes. O volume e a qualidade sonora das vozes não deixa dúvidas a respeito deste trabalho. Os solistas, todos excelentes, formaram um quarteto extremamente homogêneo. Adriana Clis (mezzo soprano), Marcos Liesenberg (tenor) e Norbert Steidl (barítono) foram todos excelentes. Mas impossível deixar de destacar a atuação do soprano argentino Graciela Oddone. Haydn, que escreveu esta missa em meio às ameaças das guerras napoleônicas, carregou a parte do soprano com elementos altamente dramáticos. A atuação de Graciela Oddone especialmente na parte inicial da missa (Kyrie) foi absolutamente marcante. Enfim, um espetáculo de altíssima qualidade.
Visões para o futuro
Ao vermos no concerto de abertura da temporada 2014 a presença calorosa do prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, percebemos que a Prefeitura Municipal prestigia não só a Orquestra e o Coral da Camerata, mas também o espaço mais claramente dedicado à música clássica na cidade, a Capela Santa Maria, também mantida pela prefeitura. E ao vermos este afeto sincero do prefeito à música de concerto não poderíamos perder a oportunidade de pensarmos no futuro deste grupo, e o que poderia tornar o mesmo mais digno de sua excelência, que soube demonstrar na execução da Missa em ré menor de Haydn. Sei que a tradição local pensa de maneira muito parcimoniosa a questão de verbas para a cultura, mas tenho certeza que o retorno que se obteria numa temporada mais rica de solistas e maestros, impedidos de atuar com o grupo pelo orçamento limitado que o mesmo tem, se faria sentir. Vou pensar alto. Imaginemos por exemplo a Camerata Antiqua de Curitiba executando os Concertos de Bach com o pianista Andras Schiff, ou que o coro e a orquestra trabalhassem num concerto com o maestro René Jacobs. Se Andras Schiff pode ser solista da OSESP (a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), como foi no ano passado, por que não poderia ser da Camerata Antiqua de Curitiba? Sei que os exemplos que citei são um pouco sonhadores demais, mas a Camerata Antiqua merece mais do que tem como orçamento para o desenvolvimento pleno de sua temporada de concertos. E tendo trabalhado com o grupo algumas vezes penso que o mesmo deveria ser ligeiramente ampliado. Um músico a mais em cada naipe de cordas da orquestra e dois cantores em cada um dos quatro naipes do coral fariam uma diferença considerável. E vendo o empenho do prefeito em relação à Capela Santa Maria, lembro que a programação de música de câmera é tão limitada em termos orçamentários que se torna impossível a apresentação de artistas renomados na cidade, mesmo que tenham nascido aqui. Um exemplo disso é a excelente pianista curitibana Vania Pimentel, atualmente residente nos Estados Unidos, que não pode se apresentar na Capela, pois o cache oferecido nem pagaria sua viagem. Resultado: ela não se apresenta em Curitiba há mais de 15 anos.Tenho consciência que posso até causar um certo desconforto com estes comentários, mas alguém tem que defender a vida cultural da cidade. Minhas intenções, podem estar certos, são as melhores possíveis.
Homenagens
Confesso que fico incomodado com concertos que começam com uma solenidade pois acredito, de forma até um pouco antiquada, que a música basta por si só. Mas nesta sexta-feira, dia 28 de março, a solenidade que aconteceu antes do concerto foi repleta de momentos verdadeiramente comoventes. Estavam presentes os dois fundadores da Camerata, Ingrid Müller Seraphim e Roberto de Regina (que eu não encontrava há mais de dez anos), que foram homenageados junto ao violinista Walter Hoerner, único membro atual da Camerata Antiqua que atua desde a fundação da mesma. Meus sinceros parabéns a quem idealizou estas homenagens. Assistindo ao concerto me reportei a momentos históricos do grupo, especialmente as apresentações do Primeiro Moteto de Bach “Singet dem Herrn” e da Cantata “Christ lag in Todes Banden”, também de Bach, regidos por Roberto de Regina, e o melhor Messias de Handel que eu assisti ao vivo em toda a minha vida, regido por Nicolau de Figueiredo. Sim, a Camerata conta com um prestígio enorme em sua comunidade. Isto é motivo de orgulho para todos nós. Feliz 40 anos!
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