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“Fazendeiros continuam nos atacando com seus pistoleiros e não têm mais vergonha de dizer na frente das câmeras que vão derramar ainda mais sangue dos guaranis-kaiowás. Mesmo assim, vamos continuar lutando, ocupando nossas terras. Não tem como voltarmos atrás nesta decisão porque já aguardamos muitos anos e não queremos mais promessas nem discursos. Queremos a demarcação de nossos territórios”. Esta declaração de Solano Lopes, representante da comunidade Pyelito Kue, feita na semana passada , mostra bem claramente o drama que vivem os índios brasileiros, que ao que parece arrumaram mais um poderoso inimigo: a bancada ruralista. Mas o que um blog de música clássica tem a ver com a luta dos índios e a crueldade dos fazendeiros? Na realidade quero neste post colocar tres obras marcantes da música do século XX, que enfocam a cultura dos primeiros habitantes deste país.

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O primeiro movimento da Sinfonia de Luciano Berio

A Sinfonia do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003) foi composta entre 1968 (versão em quatro movimentos) e 1969 (versão definitiva em cinco movimentos). É uma das composições mais importantes da segunda metade do século XX, e foi escrita para um conjunto de oito vozes e uma grande orquestra. O conjunto vocal originalmente pensado para executar esta obra foi o Swingle Singers, um grupo excepcional de cantores que ficou famoso cantando arranjos jazzísticos de fugas de Bach, que era famoso por sua versatilidade e precisão musical. Berio imaginou fazer um retrato dos anos 60, sobretudo sobre a luta racial americana (o segundo movimento é uma homenagem a Luther King) , e o terceiro, com suas colagens de obras musicais do passado (colagem comandada pelo terceiro movimento da Segunda Sinfonia de Mahler), uma referencia aos distúrbios de rua de Paris de 1968. Mas o que me interessa no momento é falar do primeiro movimento. Neste movimento inicial Berio se utiliza de uma parte do livro “O cru e o cozido” do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Este pensador francês morou um tempo no Brasil (de 1935 a 1939), e fez expedições pelo interior do país, conhecendo a mitologia dos nossos índios. Em 1964 publica seu livro “O cru e o cozido”. Entre os mitos indígenas citados na obra está o mito da criação do mundo. É esta parte citada na Sinfonia de Berio. “Era uma vez um índio casado pai de diversos filhos casados, com exceção do mais novo que se chamava Asaré. Um dia este filho saiu para caçar e seus irmãos…” Uma explosão da orquestra, e sons de instrumentos de percussão parecem se referir aos índios. “Quando o oceano se formou os irmãos de Asaré quiseram se banhar”. Em seguida é citada a origem das sete estrelas, as Plêiades, e depois Berio cita palavras esparsas do texto de Claude Lévi-Strauss: “sangue, água celeste, madeira apodrecida” e no último texto citado, “musica ritual” as vozes se calam ,e a orquestra parece retratar um ritual indígena. Creio que nós brasileiros, por pelo menos uma vez, devemos ouvir esta música com a compreensão diferente, de algo que nos diz respeito. Este vídeo que apresento foi feito em 1986, pelo então jovem regente Simon Rattle em Birmingham, e conta com a participação de excelentes vocalistas. As fotos em colagem mostram nossos índios.As legendas são bem suscintas, infelizmente.

Duas Lendas Ameríndias e Choros Nº 3 de Villa-Lobos

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Em 1952 Heitor Villa-Lobos escreveu duas composições para coral com texto na língua nheengatú. A informação que obtive deste idioma é : “… é uma língua artificial derivada do tronco tupi, da família tupi-guarani. Foi a segunda língua geral indígena desenvolvida no Brasil, após a língua geral paulista. Até o século XIX, ela foi veículo da catequese e da ação social e política portuguesa e luso-brasileira.” São duas lendas indígenas: O Lurupari (um ser fantástico) e o menino, que conta como uma mãe mata seu próprio filho por um truque do Lurupari, e Lurupari e o caçador, em que um índio mata sua própria mãe, também enganado pelo Lurupari. Não foi a primeira vez que Villa-Lobos se inspirou nos nossos índios. Seu Choros 3 ( Pica-Pau) cita uma melodia indígena recolhida por Roquete Pinto e foi composto nos anos 20, 30 anos antes das Lendas ameríndias. Para mostrar um mundo diferente o compositor se utiliza de harmonias em quarta, ao invés das usuais terças. O clima é realmente especial.

Dois vídeos: Meu grande amigo Julio Moretzsohn regendo a Primeira Lenda (O Lurupari e o menino)

Minha amiga Naomi Munakata regendo a versão a capela do Choros Nº 3

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