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O maestro Eleazar de Carvalho regendo a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo em 1990. Imagem do arquivo da OSESP
O maestro Eleazar de Carvalho regendo a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo em 1990. Imagem do arquivo da OSESP| Foto:

 

 

Na edição do mês de abril deste ano da conceituada revista musical inglesa Gramophone, há um texto na sessão “Orchestra insight…” sobre a OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), a principal orquestra da América do sul, que, pelo menos em um aspecto, é mentiroso, e que, acredito, mereceria um reparo. Percebo que quem assina o artigo, Andrew Mellor, fez algum tipo de pesquisa, pois cita a fundação da mesma em 1953 pelo pianista e maestro Souza Lima (1898-1982), mas o erro maior do texto vem em seguida quando, depois da data da fundação, vem escrito: “Mas o financiamento foi instável e suas atividades desde então foram esporádicas até 1996, quando seu terceiro diretor musical, Eleazar de Carvalho, morreu, fazendo um apelo detalhado para uma completa reorganização quase com seu último suspiro”. E o texto conclui que em 1997 com a vinda do maestro John Neschling, tudo mudou. Pelo texto se depreende que a Orquestra só começou de fato uma atividade regular em 1997, o que é falso.

Chamar as mais de 20 temporadas musicais da orquestra sob a direção de Eleazar de Carvalho de “esporádicas”  um verdadeiro acinte. Ele assumiu a direção da orquestra em 1973, e o local dos concertos era o Teatro São Pedro. Mesmo pequeno, apertado e com acústica sofrível a orquestra realizou lá memoráveis concertos como a “Paixão segundo João” de Bach regida por Hugh Ross na Páscoa de 1974 e um festival Beethoven em 1977, com um memorável ciclo de todas as obras orquestrais do mestre, marcando os 150 anos de sua morte.

O auge da atividade da orquestra sob a direção de Eleazar de Carvalho aconteceu quando a orquestra se transferiu para o Teatro Cultura Artística, e chamar o que se passou lá de “atividades esporádicas” é querer subverter a verdade histórica. Os concertos oficiais às segundas feiras, e os concertos para a juventude aos sábados à tarde foram regulares sim, com grande público e de alta qualidade. Entre 1980 e 1986 aconteceram lá concertos com solistas do nível de Martha Argerich, Rudolf Firkušný, Magdalena Tagliaferro, Nelson Freire, para citar apenas alguns exemplos, e pela primeira vez no país foi feito um ciclo completo das Sinfonias de Mahler que incluiu a primeira audição brasileira de “A canção da terra” e da Oitava Sinfonia (a “Dos Mil”), do mesmo autor. Nestes anos dourados aconteceram ciclos completos das Sinfonias e Concertos de Beethoven, Tchaikovsky, Brahms, além de ciclos de obras da Segunda escola de Viena, excertos de todas as óperas de Wagner, todos os Poemas Sinfônicos de Liszt, Ballets de Stravinsky, enfim, todo um repertório de altíssimo nível.

O Teatro de Cultura Artística, sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São paulo entre 1979 e 1986: período de grandes realizações

Com a eleição de Orestes Quércia como governador do Estado de São Paulo em 1986 começa o pesadelo da Orquestra e do Maestro Eleazar, que para muitos, na redemocratização, era um “fóssil” do regime militar. Retirada do Teatro Cultura Artística a orquestra passa, de forma humilhante, a dar concertos no Cine Copam, lugar insalubre e de acústica pífia. Aí sim, a realidade se aproxima daquilo que a revista Gramophone afirma. A orquestra definhou em sua autoestima e para completar o sucateamento a Orquestra foi transferida algum tempo depois para o “Memorial da América Latina”, local totalmente desprovido de mínimas condições. E, quando Mário Covas assumiu o governo do Estado em 1995, ele, que autorizaria a posterior reestruturação da orquestra, manteve até a morte do maestro Eleazar a Orquestra à míngua. Curiosamente Mario Covas enterrou a Sinfônica do Estado, e posou de “salvador” anos depois.

Enfim, o que faltou ao texto na revista Gramophone foi fazer justiça aos magníficos anos em que a então Orquestra Sinfônica Estadual de São Paulo atuou sob a direção de Eleazar de Carvalho, especialmente no tempo em que atuou no Teatro Cultura Artística, e reconhecer o quanto de público de concerto o maestro e a orquestra criaram. A OSESP atual, a mais importante orquestra do continente, não surgiu do “nada”. E acho justo ressaltar isso.

 

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