A abertura cultural do Irã
Uma das consequências do acordo protocolado no último dia 14 de julho em torno do programa nuclear do Irã foi demonstrar para o mundo, no momento em que severas sanções contra o país foram retiradas, que o Irã vive um momento de grande abertura cultural. Exemplo disso é o fato de Hassan Rohani, Presidente do Iran desde 2013, ter dado um apoio pessoal para a reativação da Orquestra Sinfônica de Teerã. Desde março deste ano o mais conhecido musico iraniano ligado à música clássica, o maestro Alexander (Ali) Rahbari, tem atuado regularmente com a orquestra, que conta nos dias atuais com 87 músicos. Fato curioso é que a orquestra tem mais mulheres em seu quadro do que orquestras ocidentais famosas como a Filarmônica de Viena e a Sinfônica de Chicago. Um terço dos músicos da orquestra são do chamado “sexo frágil”. Rahbari é um maestro excepcional, tendo obtido o Primeiro lugar no mais importante concurso para maestros do mundo, o de Besançon em 1977, com 22 anos foi assistente de Herbert von Karajan no Festival de Salzburg, e além disso regeu diversas vezes a Filarmônica de Berlim, de Viena, e a Staatskapelle de Dresden, entre outras dezenas de grandes orquestras do mundo.
Uma orquestra que renasceu
A Orquestra Sinfônica de Teerã foi fundada há 80 anos, mas enfrentou momentos difíceis, e especialmente na administração do ex presidente Mahmoud Ahmadinejad, teve a sua atuação suspensa por motivos ideológicos. Rahbari voltou a reger no Irã depois de um exílio de 30 anos, e no primeiro concerto que regeu neste ano na capital iraniana com a Sinfônica de Teerã foi saldado com uma longa ovação em pé antes mesmo do concerto começar. A peça escolhida foi a Nona Sinfonia de Beethoven, que foi cantada em alemão e o sucesso foi tão grande que mais três récitas tiveram que ser feitas. Podemos aquilatar a abertura cultural do Irã ao vermos os títulos das óperas que deverão ser apresentadas ainda nesta temporada: A flauta mágica de Mozart (uma ópera maçônica), Suor Angelica de Puccini (uma ópera passada num convento) e Hänsel und Gretel de Humperdink (uma fábula alemã para crianças). Todas serão cantadas no idioma original.
Os inimigos se unem contra um maestro
Atento para estas significativas mudanças o internacionalmente conhecido maestro e pianista Daniel Barenboim se alinhou na aproximação da Alemanha com o Irã e propôs fazer um concerto no país com a orquestra que dirige, a Staatskapelle Berlim. O maestro se tornou famoso pela sua ação ao aproximar árabes e judeus formando uma orquestra em que atuam judeus, jordanianos e egípcios, a excelente West-Eastern Divan Orchestra. Barenboim, nascido na Argentina, mas cidadão israelense, já atraiu bastante ódio do governo de Israel, ao ser bastante crítico à maneira como os israelenses tratam a relação com seus vizinhos palestinos. Ao saber da planejada viagem de Barenboim ao Iran a ministra da cultura israelense Miri Regev, uma ex militar (!) e membro ativo da ala mais direitista do governo, vociferou contra tudo e todos. Mandou uma irada mensagem a Angela Merkel, chanceler alemã, e acusou Barenboim de atacar Israel através de sua arte. Entre suas acusações a Teerã ela diz que “não se deve pactuar com um governo cujas mãos estão sujas de sangue”, como se seu governo não pudesse ser acusado da mesma coisa. Até aí nenhuma novidade. Barenboim é mesmo considerado, há muito tempo, uma “ovelha negra” em Israel, não só pelo fato de ter um passaporte palestino, como por ter feito apresentações nos territórios palestinos ocupados por Israel. Além disso atentou contra um dogma israelense: regeu música de Wagner em Israel, uma afronta para diversos cidadãos daquele país.
A novidade na história veio do Ministro da Cultura do Irã, Hossein Noushabadi, que entornou o caldo de vez quando declarou na semana passada que nenhum cidadão israelense se apresentaria em solo iraniano. Através desta ação vemos que a abertura cultural iraniana ainda tem seus entraves. Mesmo o maestro Rahbari elogiando a visita da orquestra alemã a seu país natal o impasse está inviabilizando o projeto. O que é até engraçado é que os arqui-inimigos se uniram: os ministros da Cultura de Israel e do Irã pensam do mesmo jeito, da mesma intolerante maneira. Vale a pena lembrar que este mesmo ministro iraniano ameaçou a famosa atriz iraniana Leila Hatami pelo fato de no Festival de Cannes do ano passado ela ter dado um beijo no rosto do diretor do festival. Pessoas como ele e sua colega israelense são ameaças constante frente a qualquer tipo de avanço. Ao contrário de Barenboim e Rahbari não fazem nada de construtivo. Uma pena.