Tenho ficado aturdido com o número de postagens no facebook e matérias nos jornais a respeito de detalhes da mais recente tournée brasileira do tenor Andrea Bocelli, que incluem malsucedidas tentativas de duetos com cantoras populares (Paula Fernandes e Annita). A má atuação das cantoras me surpreende muito menos do que o êxito que o cantor italiano encontra em terras brasileiras. Em relação a ele penso às vezes naquela anedota de “O rei está nu”. Ele é mesmo tudo isso que dizem? Uma eficiente campanha de marketing e uma inteligente e esperta exploração da deficiência visual do artista fazem com que as pessoas passem a admirar um cantor que, a meu ver, não faz jus a tanta fama. Dono de uma voz limitada, de um fraseado primário, tornou-se o queridinho dos shows pretensamente “eruditos”, seja em concertos ao ar livre, ou em inaugurações de shoppings centers. Talvez o que realmente falta à horda de fãs do cantor seja um pouco mais de discernimento e mesmo de conhecimento. No entanto esta imensa horda que se comove com este tipo de espetáculo, não hesitando em pagar um caro ingresso em certas ocasiões, não é privilégio nacional. Artistas de altíssimo nível colocam seu nome junto a Bocelli na esperança de pegar uma “casquinha” no imenso sucesso comercial do artista.
Se é para se ater a um repertório mais acessível existem atualmente cantores líricos de primeiríssimo nível que são capazes de cantar uma “canzoneta” napolitana com arte, afinação e bom gosto. Citaria como exemplo o tenor peruano Juan Diego Flórez, dono de uma técnica impecável e que recentemente se aventurou com sucesso num repertório crossover. Para os fãs de Bocelli recomendo que escutem o CD “Italia” lançado por Flórez no ano passado. Lá encontramos além de uma voz de beleza rara, afinação, fraseado refinado, bom gosto em cada nota. Outro verdadeiro tenor que tem assombrado as plateias é o alemão Jonas Kaufmann. Entre récitas de óperas em grandes teatros (seu repertório vai de Parsifal de Wagner a Il Trovatore de Verdi passando pela Carmen de Bizet) ele encontra tempo para gravar com sucesso melodias populares, tanto de operetas (“You mean the world to me”, lançamento da Sony do ano passado) como do repertório típico de “pizzaria” (“Dolce vita”, lançamento recente também da Sony). Estes dois cantores, com sólidas carreiras em grandes e importantes teatros de ópera cantam com arte e competência um repertório que certamente lhes dá um bom retorno financeiro. Mas nenhum dos dois abrem mão da qualidade em cada detalhe.
Quanto aos duetos malsucedidos da tournée de Bocelli eles com certeza não se dariam com estes cantores que citei. Donos de um profissionalismo acentuado não se exporiam a uma situação constrangedora como estas. Quanto à tal da “horda de fãs” lembro que tem gente que acha vinho suave do interior do Estado o melhor do mundo. Não devem ter tomado nada melhor.
Vídeos
Juan Diego Florez e seu recente CD “Italia”
Jonas Kaufmann no making of do CD “Dolce vita”
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