Ao ver o preconceituoso título do artigo saído na semana passada na revista “Veja” sobre a esposa de Michel Temer, lembrei-me imediatamente de duas mulheres “Belas, recatadas e do lar”, casadas com homens ricos e mais velhos, que por sua postura estoica frente a paixões avassaladoras de grandes artistas acabaram por inspirar duas importantes obras primas da história da música ocidental. Mulheres que, por serem casadas, preferiram ter uma atitude recatada, recusando que um “affair” se consumasse. Nestes casos ser “Bela, recatada e do lar” foi lucrativo para nós, os amantes da arte.
Mathilde Wesendonck e Richard Wagner
Richard Wagner (1813-1883), o tempestuoso compositor alemão, envolveu-se na Revolução de Dresden em 1848. Inspirado por ideais republicanos teve que fugir para a Suíça para não ser preso e mesmo enforcado. Em Zurique “comeu o pão que o diabo amassou”, mas não perdeu a pose: dava palestras e chegou mesmo a dirigir concertos. Em 1852 um casal assistiu a uma de suas preleções, Otto e Mathilde Wesendonck. Ele, 15 anos mais velho que ela, era um rico comerciante de sedas, e ela, extremamente bela e culta, e que com o tempo seria mãe de cinco filhos, se interessava em artes e mesmo em culturas orientais. Um de seus requintes era dominar diversos idiomas, inclusive o sânscrito. Com o tempo Otto começou a colaborar financeiramente para os custeios do compositor de forma considerável e acabou convidando o compositor e sua esposa para morarem na edícula de seu palacete. Wagner acabou se apaixonando por Mathilde, a tal ponto que até o suicídio passou em sua mente. Eu estive nesta “Villa Wesendonck” em Zurique e acho bem difícil concordar com os historiadores de que o caso de amor não se consumou, já que a tal da edícula fica a poucos metros da casa principal (hoje lá funciona um museu pouco conhecido). Wagner ficou encantado com os poemas de Mathilde e os transformou em belas canções, as “Wesendonck Lieder”. Todo o sofrimento de uma relação impossível deu ao mundo a ópera “Tristão e Isolda”, um hino a um amor ao mesmo tempo forte e impossível, afinal Isolda era casada com o pai adotivo de Tristão, o Rei Marke, seu tio. Por causa do escândalo feito pela esposa de Wagner, este acabou se separando dela, e abandonou Zurique. Interessante sabermos que a segunda esposa de Wagner, Cosima Liszt, sentia arrepios ao ouvir falar de Mathilde Wesendonck pois com certeza sabia da força do amor que Wagner sentira por ela. Depois de viver em Dresden e Berlim Mathilde faleceu em 1902, seis anos depois de seu marido.
Hanna Fuchs-Robettin e Alban Berg
Alban Berg (1885-1935) foi um dos compositores da assim chamada Segunda escola de Viena. Em 1925 o compositor tornou-se bem conhecido pelo êxito da estreia de sua ópera Wozzeck em Berlim. Casado com Helene Berg desde 1911 é sabido que teve incontáveis casos, mas logo após o sucesso de Wozzeck acabou conhecendo em uma viagem Hanna Fuchs-Robettin, 11 anos mais nova que ele, e pelo que se conta uma mulher de excepcional beleza. Ela era na época cunhada de Alma Mahler (viúva do compositor). Hanna era casada com Herbert Fuchs-Robetin, um rico industrial, e com ele tinha dois filhos. Alban Berg se apaixonou imediatamente e resolveu abrir seu coração para ela. Hanna foi muito firme, dizendo que estava totalmente fora de qualquer possibilidade abandonar seu marido e seus filhos. Berg deu um jeito para voltar a visitá-la mais algumas vezes até que ela exigiu que ele desaparecesse definitivamente. Logo em seguida a esta recusa de Hanna, Alban Berg deu início à composição de uma obra para quarteto de cordas, a Suíte Lírica. Com a morte de Hanna em 1964, sua filha descobriu entre seus pertences pessoais uma partitura da Suíte Lírica toda anotada por Alban Berg. Ela passou esta partitura para um especialista sobre o compositor, o americano George Perle. Foi ele que compreendeu a linguagem cifrada das anotações e escreveu o importante artigo “O programa secreto da Suíte Lírica de Alban Berg” para uma revista especializada na área (Musical Quaterly).
Em resumo, são seis movimentos. Nos dois primeiros a felicidade do encontro, nos dois próximos a impossibilidade e a dor. E nos dois últimos o desespero e a separação. No final da Suíte Lírica há uma citação de Tristão e Isolda de Wagner. Qual amor impossível Berg citava? Tristão e Isolda ou Mathilde e Richard? Como conclusão final a esta reflexão Isolda, da ópera, talvez fosse bela, mas nesse imbróglio todo foi a única que nem era “recatada e do lar”.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS