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Calíope Canta Villa-Lobos
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Divulgação
O maestro Julio Moretzsohn (no centro da foto) explora a riqueza da obra de Villa-Lobos

Publicado em 11/11/2012 | OSVALDO COLARUSSO, ESPECIAL PARA A GAZETA DO POVO

A obra para coro a capela de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) é uma das mais fascinantes facetas da imensa produção de nosso maior compositor. Essas obras para coro a capela vão, cronologicamente, desde uma “Ave Maria” de 1914, até a série de peças conhecidas como “Bendita Sabedoria” de 1958. Não há dúvida, no entanto, que no período em que Villa-Lobos, durante o Estado Novo (1937-1945), criou o Curso de Pedagogia de Música e Canto Orfeônico, dando origem ao Orfeão de Professores, sua produção coral adquiriu uma maior importância. Sua experiência didática, e sua busca nas origens folclóricas influenciam não só as obras corais do Canto Orfeônico, mas obras pensadas fora do esquema didático. Prova disso é que seria muito difícil termos uma composição como a Bachianas Brasileiras N.º 9 (1945) em sua versão original para “orquestra de vozes” sem esta experiência. Uma coisa que chama a atenção nesta pesquisa sobre nossas origens culturais é o interesse do compositor em diversas manifestações étnicas: os índios, os negros, o caipira, a gente simples das cidades, todo este conjunto, esta mescla bem brasileira, está presente também na produção coral de Villa-Lobos. Neste aspecto o compositor mostra uma imparcialidade não compactuada nos tempos modernos: muitos coros brasileiros se recusam a cantar obras primas como “Estrela É Lua Nova” ou “Xangô” por sua temática afrobrasileira.

Este novo CD do excelente coro Calíope do Rio de Janeiro, Villa-Lobos, Vozes do Brasil, faz um excelente apanhado da produção para coro a capela de Villa-Lobos, dando um peso maior à produção composta durante o período do governo de Getúlio Vargas (1930-1945). As três obras com temática africana, incluídas no CD, estão apresentadas de maneira extremamente convincente, sobretudo a já citada “Estrela É Lua Nova” ( lindo o solo da soprano Lina Mendes). O maestro Julio Moretzsohn escolhe, nesta obra, um acertado andamento lento, dando uma impressão quase hipnótica de um ponto de macumba. O canto das “Costureiras”, com metade do coro reproduzindo o ruído das máquinas de costura, acompanhando a triste melodia, é outra vitória do compositor, que sempre foi um especialista em miniaturas. Esta peça é uma daquelas que explora o “folclore urbano”. O mundo do sertanejo é explorado de maneira igualmente brilhante: “Bazzum”, “Remeiros de São Francisco” e “Papae Curumiassú” são também de uma beleza impressionante. E o universo indígena incorpora uma modernidade harmônica que é um verdadeiro desafio para qualquer coral. As “Lendas Ameríndias em Nhengatú” se aproximam em termos de linguagem e de importância às obras corais de dois outros grandes compositores que pesquisaram o folclore de seus países: o tcheco Leos Janácek e o húngaro Bela Bartók.

Duas composições incluídas neste CD são obras ligadas ao ciclo das 9 Bachianas. Uma fuga, em sua versão original para vozes, que viria a se tornar o último movimento da Bachianas N.º 8 e uma das obras máximas do compositor, a Bachianas N.º 9, que aqui é apresentada em sua versão original para “Orquestra de Vozes”. Esta versão, raramente apresentada, revela um Villa-Lobos extremamente criativo. Como no “Cravo Bem Temperado” de Bach temos aqui um prelúdio e uma fuga. Normalmente escutamos a versão que o autor fez para Orquestra de Cordas, já que raros são os coros capazes de vencer as dificuldades desta versão original. Vale a pena ressaltar que nunca o prelúdio desta Bachianas soou tão místico e misterioso como nesta gravação. É sem dúvida um dos pontos altos deste CD.

Parceria
O encontro do compositor com grandes poetas

Em Villa-Lobos, Vozes do Brasil temos duas obras que marcam o encontro de nosso maior compositor – Heior Villa-Lobos – com dois de nossos melhores poetas: Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Manuel Bandeira colaborou com Villa-Lobos em diversas oportunidades, a mais conhecida delas no segundo movimento das Bachianas Brasileiras N.º 5. “Invocação em Defesa da Pátria” é uma obra de ocasião, uma espécie de “canto cívico religioso”, como está escrito na partitura, escrita no momento em que o Brasil se envolveu diretamente na Segunda Guerra Mundial. A versão que normalmente escutamos é para grande orquestra e coro misto.

Pela primeira vez podemos ouvir aqui uma versão incluída no “Guia Prático” apenas para vozes femininas, que parece nos lembrar a angústia das mães e esposas na partida dos soldados brasileiros para o front de batalha na Itália. Mas o grande item na junção música-poesia deste lançamento é a inclusão de “E Agora José?”. Esta poesia de Drummond é uma das mais importantes obras poéticas brasileiras do século 20 e a versão de Villa-Lobos, para vozes masculinas, é também uma obra-prima. Num ritmo continuo, a angústia e a tristeza do personagem ficam bem evidenciadas, e a contínua repetição temática nos remete ao beco sem saída do personagem. Esta obra foi-nos revelada por um coro alemão (!) há dois anos, o Coro da Rádio de Stuttgart regido por Marcus Creed (selo Hänssler).

O excelente maestro Julio Moretzsohn, e seu magnifico grupo coral faz o justo resgate desta obra, infelizmente desconhecida entre nós, apresentando-a numa pronúncia em que cada palavra de Drummond fica claramente compreensível.

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