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Frente ao deserto cultural que se tornou Curitiba, pelo menos no que se refere à música clássica, a apresentação de uma das mais importantes obras sacras de toda a história da Música, a Paixão Segundo São Mateus de Bach, é algo para ser bem saudada, ainda mais quando a execução contará com solistas de grande renome e qualidade como Rosana Lamosa, Bruno Spadoni , Paulo Mestre , Miguel Geraldi e Norbert Steildl e que a empreitada conta com a regência competente de Abel Rocha. As apresentações acontecerão na Sexta-feira na Igreja Nossa Senhora de Guadalupe e no sábado de aleluia na Comunidade do Redentor.
O que venho aqui é abrir uma discussão sobre a maneira como essa linda e importante partitura será apresentada. Uma Paixão era, em meio às igrejas luteranas alemãs no século XVIII, uma forma de celebrar musicalmente a crucificação de Jesus Cristo. O texto de um dos quatro evangelistas (Marcos, Mateus, João ou Lucas) era cantado, em estilo de recitativo, por um tenor em alemão. A cada passo da narrativa do tenor evangelista uma Ária, um Choral (expressão musical inventada por Lutero) ou um Coro, também em alemão, comentavam a ação. Nestas apresentações, do próximo final de semana, ao invés da parte do evangelista ser cantada por um tenor será narrada por um ator, Emilio Pitta, o grande e querido ator. Esta narrativa será em português, enquanto todo o resto será cantado no idioma origina, o alemão. A ideia é de um dos fundadores da Camerata Antiqua, Roberto de Regina, e tem como intuito tornar a obra mais acessível.
A dúvida que lanço é: a dificuldade da Paixão segundo São Mateus ser uma obra difícil de ser digerida por plateias brasileiras tem a ver com a narrativa do evangelista ser em alemão? Lembro que a obra é muito longa, tem em média mais de 3 horas de duração e deste tempo todo menos de um sexto fica por parte dos recitativos do evangelista, isto significa que cinco sextos serão apresentados, e o serão em alemão. Importante é lembrar que a música que Bach escreveu para o evangelista é soberba e cheia de significados, marcando alguns dos pontos altos da partitura como por exemplo quando é narrado o choro de Pedro após este constatar por três vezes ter negado que conhecia Jesus: um pungente efeito de melismas cromáticos e harmonias imprevistas iluminam dramaticamente este ponto da história. Bach nos recitativos coloca Jesus sempre acompanhado pelas cordas da orquestra, enquanto os demais personagens cantam apenas acompanhados de simples acordes do contínuo, estabelecendo uma perceptível hierarquia entre o filho de Deus (Jesus) e os demais personagens. Isto tudo será omitido nas apresentações.
Existiriam outras maneiras de tornar uma obra poderosa como a Paixão Segundo São Mateus de Bach mais acessível para um grande público? Cantá-la em Português? Não creio. Penso que uma maneira bem eficaz é o uso de legendas, algo que hoje é utilizado em teatros de ópera e salas de concerto em todo o mundo e que será feito nas apresentações deste fim de semana. Uma coisa é certa: numa sociedade movida a Whatsapp e Facebook, acompanhar uma obra musical escrita no século XVIII de três horas e meia de duração é uma tarefa complicada. Bach nos legou outra Paixão, a Segundo São João, que tem uma hora e meia a menos de duração. Se o foco é popularizar esta não seria a obra mais indicada? Vejam bem, não tenho respostas definitivas a nenhuma destas questões levantadas e confio demais nas pessoas responsáveis por tal empreitada, sobretudo a Corrdenadora de música, Janete Andrade e o Maestro Abel Rocha. Tornar obras primas musicais mais acessíveis é algo indispensável para todos nós. E mesmo a obra sendo feita de uma forma “alternativa” considero um feito realiza-la. Prestigiar as apresentações pode ser um caminho para soluções que levem a grande arte ao máximo possível de pessoas.

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Serviço: Paixão Segundo São Mateus, obra de Johann Sebastian Bach (1685-1750), na Sexta-Feira Santa, 14 de abril, às 19h30, no Santuário Nossa Senhora do Guadalupe. No sábado de Aleluia,15 de abril, a obra será reapresentada às 18h30, na Comunidade do Redentor (Rua Trajano Reis 199). Regência de Abel Rocha