Sem dúvida um dos maiores hits da música clássica, Carmina Burana é de longe a obra mais conhecida do compositor alemão Carl Orff (1895-1982). Ela foi escrita em 1935 e estreada em junho de 1937 em Frankfurt. Obra que a princípio não agradou muito aos líderes nazistas mais à frente foi glorificada por eles, e sua estréia em Milão em 1942 foi saudada como uma gloriosa junção cultural dos dois países fascistas. Vale a pena lembrar que esta obra é a única produção artística da Alemanha nazista a permanecer conhecida sendo que nem os pintores, nem os compositores e nem os escritores que escreveram seguindo as regras do partido são hoje lembrados. Orff fez uma seleção dentre os mais de 300 textos escritos na idade média encontrados num mosteiro da Baviera. O nome Carmina Burana significa em latim Canções do mosteiro Benediktbeuern. Orff escolheu apenas 22 poemas e os agrupou em assunto para construir um tipo de enredo. Num prólogo, que será o epílogo também, o texto fala dos caprichos da roda da fortuna. A primeira parte fala do despertar da natureza e do amor na primavera, sendo que na segunda parte, com um clima mais sombrio, ele fala de uma noite de excessos gastronômicos e alcoólicos numa taberna. A terceira parte fala de um amor que se torna mais vulgar, mostrando que tudo pode ser modificado pelos caprichos do destino. Na realidade os poemas utilizados por Carl Orff são poesias que remontam ao século XIII, mas muitas destas poesias foram também musicadas na época dos poemas. O que pouca gente sabe então é que existe uma parte desta Carmina Burana original da idade média escrita em música. O problema é que a escrita musical era extremamente precária no século XIII e uma execução destas páginas exige muita fantasia e criatividade de seus intérpretes. O que ficou realmente documentado foi apenas uma linha de canto sem acompanhamento de apenas algumas dezenas de poemas. A maior parte dos textos foi mesmo preservada apenas em sua forma poética. Uma das poucas poesias utilizada por Orff que aparece em versão musicada no manuscrito da idade média é In Taberna, o texto usado pelo compositor para a conclusão da segunda parte de sua Cantata. Neste exemplo temos uma reconstrução feita por René Clemencic, e podemos perceber alguns lampejos de uma utilização de Orff desta música composta por um monge do século XIII. É a única referencia que Orff faz a uma autêntica música do século XIII, sendo que todo o resto, mesmo com certo jeito medieval, é da autoria do próprio Orff. Lembro que este exemplo abaixo é uma reconstrução. A única coisa autêntica é a linha do canto.
Amar ou não a Cantata de Orff
A obra de Carl Orff tenta restituir um clima medieval, enchendo de clichês do tipo imitação de cantos gregorianos ou longos bordões de quintas, mas o pastiche criado acabou sendo muito bem recebido pelo público, e apesar de ter pessoalmente muitas reservas a respeito desta obra reconheço que ela atraiu maestros respeitados como Eugen Jochum, Ricardo Chailly e André Previn. No entanto vale também a pena citar que diversos maestros se recusaram a reger a obra, e que a música de Orff continua banida até hoje em Israel. A música de Orff tinha muitos elementos que agradavam os ideólogos nazistas, sobretudo a sua simplicidade de compreensão. As relações de Orff com os nazistas ficaram ainda mais evidenciadas com as contradições a respeito de sua relação com o movimento dissidente “Rosa branca”. Para sair livre em seu julgamento feito pelos aliados despois da derrota da Alemanha em 1945, ele usou como argumento uma eventual colaboração para a libertação de membros desta organização dissidente, o que foi desmentido por familiares dos membros deste movimento mortos pelos nazistas. Orff chegou a falsificar uma carta de agradecimento cujo autor nunca existiu.
Programar Carmina Burana de Orff é garantir sala cheia, e vem muitas vezes em socorro de maestros que estão com a cotação em baixa pois o sucesso é garantido. Sua música com “ares de antiga” e seu ritmo repetitivo faz com que muita gente que não gosta de música clássica acabe “curtindo” a composição. Editada pela “Schott Verlag” (grande editora alemã) é de tal maneira executada que mantém financeiramente a casa editora, o que explica que a mesma se permita editar obras pouco comerciais, tipo ação Hobin Hood. Para aumentar seus lucros os editores liberaram a execução da obra em sua transcrição do autor para dois pianos e percussão substituindo a orquestra, sendo que o compositor havia determinado que esta versão só pudesse ser executada em cidades que não possuíssem uma orquestra sinfônica, mas hoje em dia esta versão é permitida de ser usada pelos editores em qualquer cidade. Carmina Burana é a primeira parte de uma trilogia composta de mais duas partituras: Catulli Carmina e O triunfo de Afrodite. Como as demais obras de Orff, estas partituras são raramente executadas, sendo que O triunfo de Afrodite é quase totalmente desconhecida, e extremamente pobre em termos de inspiração. Nas três obras há uma clara expressão erótica, chegando, no prólogo de Catulli Carmina, a existir um texto claramente pornográfico (texto este de autoria do próprio Orff, em latim).
Respeito Carmina Burana, e já regi não somente esta partitura (substituindo um colega doente) como também Catulli Carmina (em primeira audição em São Paulo). Tenho que reconhecer que a partitura tem suas qualidades, mas raramente a escuto. Quem quiser ouvir a obra numa execução séria, sem nenhum tipo de vulgaridade, recomendo a gravação regida por Eugen Jochum, tendo três fantásticos solistas: Gundula Janovitz, Gerhard Stolze e Dietrich Fischer-Dieskau. Foi lançada pelo selo Deutsche Grammophon.
Alguns trechos desta belíssima gravação: inicialmente um lindo solo de Dietrich Fischer-Dieskau
Agora solos de Gundula Janovitz
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