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Sabemos que diversos grandes compositores da história da musica ocidental não eram exemplo de decência e caráter. Todos sabem que Richard Wagner (1813-1883) escreveu ensaios racistas, e que Richard Strauss (1864-1949) e Carl Orff (1895-1982) rastejaram frente às autoridades nazistas para conseguirem favores daquele regime. Mas apenas um grande compositor chegou ao ponto de ser um assassino. Carlo Gesualdo (1566-1613) assassinou, dependendo do relato, de duas até quatro pessoas.

Gesualdo nasceu em Venosa, no sul da Itália, em uma família extremamente rica e poderosa. Sua mãe era sobrinha do papa Pio V, e ao que parece o musico só se interessava na caça e nos estudos específicos de sua arte. Ele não pensava em se casar. Com a morte de seu irmão ele passou a ter a responsabilidade de prover uma descendência para sua nobre família. Isso o fez procurar uma esposa que garantisse a desejada continuidade da família. Ele acabou casando-se com uma prima, Maria D’Avalos, que ao que parece era de uma beleza excepcional. Muito jovem, e não muito feliz com seu marido, Maria D’Avalos iniciou um romance secreto com outro nobre, Fabrizio Carafa, o Duque de Andria. A crônica também se refere a este Duque como um homem de extrema beleza. Ele também era casado e pai de quatro filhos. Este romance ao que parece durou dois anos. No dia 16 de outubro de 1590, em Nápoles, Carlo Gesualdo, ouvindo os inúmeros comentários de seus empregados, vestiu-se como se fosse à caça, e conseguiu pegar os dois amantes em flagrante. Assassinou sua esposa e seu amante com a ajuda de seus criados, matando-os com golpes de espada, tiros e mesmo com golpes de adaga. Segundo os relatos da policia local ele vestiu o seu rival, já morto, com as roupas de sua esposa, e colocou a esposa nua e morta com as pernas bem abertas no meio da rua, para que todos vissem os “malfeitores” de forma bem degradante. O que mais surpreende é que não aconteceu nada a Gesualdo. A influência que sua ascendência tinha, e o espírito machista da época,o fez passar ileso até o final de seus dias. Se este duplo homicídio ficou bem documentado outros dois crimes de Gesualdo não são atestados por documentos confiáveis. Estes dois outros assassinatos seriam de um filho dele, que ao que parece era muito semelhante ao Duque de Andria, e de um cunhado, irmão de sua assassinada esposa. Gesualdo não podia ser preso, mas temeu até o fim de seus dias a vingança das famílias de suas vítimas. Por isso mudou-se de Nápoles para Ferrara, onde se casou mais uma vez. Este casamento foi um desastre, e ao que parece Leonora d’Este, sua segunda esposa (parente dos Gonzaga, que encomendariam em 1607 o Orfeo de Monteverdi) conseguiu afastar-se com vida de seu violento marido. Nos últimos anos de sua vida Gesualdo tinha dois serviçais cuja principal atividade era espancá-lo. Sim, Gesualdo,o Príncipe de Venosa, o grande compositor, em seus últimos anos era masoquista, e tinha grande prazer em ser chicoteado. Vale a pena lembrar que o cineasta alemão Werner Herzog filmou, para a televisão alemã, uma película chamada Tod für fünf Stimmen (Morte para cinco vozes), inspirada na vida e nos “excessos” de Gesualdo.

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Sei que esta história pode parecer chocante demais, mas é verdadeira, e nos leva a uma questão: as obras têm uma vida própria independente do caráter de seu autor? Minha resposta é sim. No caso, os Madrigais de Gesualdo estão entre as mais belas composições vocais de toda a história da música, e suas obras,sacras e profanas, são um testemunho evidente da mudança de estética do renascimento para o barroco. A ousadia imensa de Gesualdo em termos harmônicos mostra um músico com tal poder (não foi preso por seus assassinatos, não iria ser preso por suas “falsas relações”) que se permitia a fazer algo que era pouco usual em sua época. Quem vai se fascinar por Gesualdo, por exemplo, é o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971), que irá orquestrar alguns Madrigais do compositor italiano. Vale lembrar que a arte de Gesualdo, com seus jogos de “claro-escuro” lembra a arte de outro assassino, contemporâneo do compositor: o pintor Caravaggio (1571 –1610).

Sabemos que diversos compositores têm suas obras proibidas por causa do que pensavam e de como agiam. O exemplo mais flagrante é a proibição ,ainda hoje, da execução de obras de Wagner(um anti-semita) em Israel. Existe uma mania de se achar que compositores e artistas em geral eram “santos homens”. Não eram. Eram pessoas comuns, cheias de defeitos. Raríssimos compositores tinham, por exemplo, o caráter e a retidão do compositor húngaro Bela Bartók (1881-1945). Isso não nos deve impedir de ouvir, ler, e amar as obras de seres humanos falhos. Até do assassino Gesualdo devemos amar sua obra independente do que ele foi em vida.

Ouçam Moro,Lasso,al mio duolo um dos mais lindos Madrigais de Gesualdo

Aqui voce poderá assistir integralmente o filme de Werner Herzog sobre Gesualdo

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