O maestro Eleazar de Carvalho| Foto:

 

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Ao escrever, na semana passada um texto sobre os 150 anos da morte do compositor Hector Berlioz , me lembrei de um fato histórico marcante, ocorrido nos festejos dos 150 anos da independência brasileira, que tem relação com uma obra do grande compositor francês e que resultou em algo extremamente importante para a música clássica no Brasil. Na ocasião, em um acordo havido entre Portugal e o Brasil, os despojos de Dom Pedro I seriam definitivamente sepultados no grandioso Monumento do Ipiranga, construído nas cercanias de onde havia sido declarada a independência do país. Se os artífices deste acordo foram o então Presidente do Conselho de Estado de Portugal, Marcello Caetano, e o presidente do Brasil, Emílio Garrastazu Médici, houve uma assessoria cultural de alto nível para a programação que acompanharia as cerimônias. Através desta assessoria o então governador de São Paulo, Laudo Natel, e o Ministro das relações exteriores, Mário Gibson Barbosa, delegaram toda a questão musical da cerimônia nas mãos do mais eminente maestro brasileiro naquela época: Eleazar de Carvalho (1912-1996). O grande maestro optou então, e recebeu completo apoio de todos, por apresentar junto ao Monumento do Ipiranga, na chegada do esquife, o grandioso Requiem (Grande missa dos mortos) de Berlioz. Para isso foram reunidos diversos corais que se juntaram ao Coral do Teatro municipal de São Paulo, os músicos da Orquestra Sinfônica municipal de São Paulo junto aos de uma orquestra já extinta, a Orquestra Filarmônica de São Paulo e mais as bandas do exército e da polícia militar. Na época eu tinha apenas 14 anos de idade, mas já conhecia bem a composição e, estando presente, lembro que foram executados da obra o Requiem aeternam e Kyrie, o Dies Irae (com o tonitruante Tuba mirum), o Sanctus e o Agnus dei. Lembro também que o solista do Sanctus foi o tenor Aldo Nilo Losso. Não há dúvida de que foi uma execução marcante, mas da qual, infelizmente, não resta nenhum tipo de registro, nem mesmo fotográfico. Seu legado, no entanto, foi enorme.

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Pesquisa frustrada

 

Ao pesquisar algo sobre o evento me deparei com uma completa desinformação a respeito da execução da obra de Berlioz e uma enxurrada de críticas inóspitas aos festejos, chamando-os de propaganda manipulada de regimes autocráticos. É verdade que na época Portugal vivia os estertores do salazarismo e o Brasil vivia no regime militar, mas não se pode negar que uma data tão marcante para nossa história, 150 anos da independência, deveria ser comemorada em alto estilo, e o foi num estilo muito mais brilhante do que, por exemplo, nas pífias comemorações dos 500 anos do descobrimento, no ano 2000. A sofisticação musical do que se passou no dia 7 de setembro de 1972 no Ipiranga, fato que como disse eu testemunhei, é prova disso. Sem entrar na modorrenta acusação do pensamento majoritário das nossas instituições de ensino superior, o Sesquicentenário da independência em 1972 foi concluído naquele dia, às margens do Ipiranga, de forma exemplar, por uma grande obra musical regida por um grande maestro. Isso as “inúteis” teses e matérias que pesquisei ignoram, ou por falta de um mínimo de cultura ou por desonestidade.

 

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Consequências do evento: Eleazar de Carvalho transfere-se para São Paulo, e recria a OSESP 

A vinda a São Paulo do maestro Eleazar de Carvalho para os festejos dos 150 anos da independência foi muito significativa para a vida do grande músico e para a vida musical da capital paulista, e do próprio Brasil. O único maestro brasileiro (até hoje) a ser frequentemente convidado a reger orquestras do nível da Filarmônica de Berlim e de Viena, e de orquestras americanas do nível da de Boston e Chicago, tinha centrado sua atividade, quando vinha ao Brasil, no Rio de Janeiro. Mas em 1970, quando levou uma “puxada de tapete” acachapante por lá (na Orquestra Sinfônica Brasileira), não queria mais atuar regularmente no país. Sabendo disso o governador de São Paulo na época, o já citado Laudo Natel, o convidou para no ano seguinte das comemorações citadas, em 1973, ser o diretor artístico do Festival de Campos do Jordão (onde o Requiem de Berlioz foi executado pelo coro e orquestra dos estudantes do festival), que graças ao maestro Eleazar de Carvalho se tornaria o mais importante festival de música clássica do país. Daí, no mesmo ano de 1973, a revitalização da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que só existia no papel há mais de 15 anos e que viria a ser a principal orquestra do país, foi o passo definitivo para que o grande maestro se instalasse definitivamente na capital paulista, onde viria a falecer em 1996. Fatos históricos que considero essenciais para uma melhor compreensão de nossa dinâmica cultural e musical e cuja documentação é bastante precária e deficiente.