Ensaio da obra Gurrelieder na Sala São Paulo| Foto:
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A estreia brasileira de Gurrelieder (Canções de Gurre, referência a um castelo antigo da Dinamarca), monumental oratório composto por Arnold Schoenberg no início do século XX, realizado pela OSESP neste final de semana, é por si só um feito histórico na vida cultural de nosso país. Esta obra é das mais ambiciosas que já foram compostas no sentido de além de exigir um número fora do comum de instrumentistas solicita a presença de dois grandes coros. A obra, escrita numa linguagem pós wagneriana, conta a tragédia de dois amantes, Waldemar e Tove. Infelizmente não pude ir a São Paulo para assistir estas apresentações, mas a opinião de todos aqueles que estiveram presentes, e em quem confio, é de que houve, a despeito de solistas questionáveis, uma magnífica realização. Gurrelieder é a melhor prova de que Arnold Schoenberg não compunha em um estilo que normalmente é chamado de hermético por não saber escrever uma música “normal”. Se pegarmos apenas as obras tonais do compositor ele já teria um lugar garantido no panteão dos grandes compositores da história. Schoenberg passa a escrever música atonal, e posteriormente serial, por uma necessidade espiritual, compartilhada contemporaneamente pela busca do abstracionismo de Kandinsky, de quem foi amigo e com quem compartilhou esta busca. Voltando à estreia brasileira de Gurrelieder cumpre aqui parabenizar o maestro Issak Karabtchevsky pela brilhante ideia de montar a obra, e que venham outras obras do autor nunca tocadas no Brasil como seu poema sinfônico Pelleas e Mélisande (obra também “normal”), sua ópera Moses und Aron, seu Concerto para violino e orquestra e tantas outras.
O que me surpreendeu é que um acontecimento de tal magnitude passou quase que desapercebido na grande imprensa, sobretudo nas publicações de São Paulo, onde o evento aconteceu. Pequenas matérias assinadas por pessoas completamente desinformadas (com exceção de uma excelente coluna assinada por João Marcos Coelho no Estadão, veja aqui), e um desserviço do próprio site da orquestra, reforçaram ainda mais o atraso e a defasagem da nossa vida musical em relação às linguagens mais modernas. Ao copiar descaradamente o projeto levado à frente pela Philharmonia Orchestra de Londres em 2009 (em Londres “WHO’S AFRAID OF ARNOLD SCHOENBERG? ”, aqui “Quem tem medo de Schoenberg?”) insistem na tecla de que Schoenberg é “chato”, que a música “dodecafônica” não é palatável, etc. Copiaram o ruim. Realmente, a ideia de Karabtchevsky, que também regeu a estreia brasileira da ópera Wozzeck de Alban Berg há 35 anos, acaba por divulgar por aqui uma obra escrita há mais de 110 anos, mas o que percebemos é que a excelência dos músicos envolvidos não tem ressonância no nosso meio intelectual. E lembro que se Schoenberg não é “palatável” aqui no Brasil é em parte por causa de uma programação musical onde a mesmice é uma constante.

Coincidentemente no mesmo fim de semana em que houve a estreia brasileira de Gurrelieder, aconteceu o primeiro fim de semana do Rock in Rio. Que contraste em termos de espaço cobrindo o evento. Consultando o google encontro milhões de textos (26 milhões de entradas aproximadamente), muitos deles em primeiras páginas. Por falar em páginas, nos jornais elas apareceram inteiras narrando o evento, com fotos, curiosidades, etc. Puxando a memória, lembrei de algo que se passou há muito tempo, creio eu que há mais de 45 anos. O maestro Eleazar de Carvalho regeu no Rio de Janeiro a primeira execução brasileira da Sinfonia Romeu e Julieta, de Berlioz. Lembro de uma extensa matéria, mostrando ensaios do coro e da orquestra no.…Jornal Nacional. Outros tempos. Para mim não acho que as pautas têm que ser obrigatórias. Apenas observo. Rock in Rio, evento comercial que gira milhões de dólares tem necessariamente seu espaço. Mas a ausência de reconhecimento e informações pífias na imprensa frente a uma realização da importância da realização musical de uma obra como Gurrelieder me deixa uma certa sensação de vazio cultural.

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