Nascido em primeiro de abril de 1866 Ferruccio Busoni tornou-se, 150 anos depois de seu nascimento, apenas o sinônimo de alguém que realizou transcrições para piano de obras de Johann Sebastian Bach. Uma grande injustiça, pois, ao mesmo tempo em que foi um dos maiores pianistas de sua geração, foi um importante compositor e sobretudo um dos maiores professores de composição musical de seu tempo. Seu nome de batismo completo, citando três grandes artistas do passado italiano, já parecia prenunciar uma vida rica do ponto de vista intelectual: Dante Michaelangelo Benvenuto Ferruccio Busoni. Nascido na cidade italiana de Empoli (próxima a Siena e Florença, na Toscana) teve em seu pai o seu primeiro professor de música. Criança prodígio explorada ao extremo (declarou certa vez, com mágoa, que não teve infância) já aos 12 anos tinha composto mais de 100 obras, tocado como solista ao piano em dezenas de concertos, e dominava completamente quatro idiomas: italiano, alemão, francês e inglês. Apesar de ser italiano sua formação musical e humanística foi muito mais alemã e se deu principalmente na Áustria (Viena e Graz). Teve boas relações pessoais com Franz Liszt, Johannes Brahms e Gustav Mahler e uma marcante troca de ideias com músicos tão diferentes como Jean Sibelius e Arnold Schoenberg. Depois de ter vivido brevemente em Moscou, Helsinque e Boston fixou-se em Berlim em 1894, só vivendo fora desta cidade nos anos da Primeira Guerra Mundial, época em que viveu na Itália e na Suíça. É em Berlim que Busoni vai falecer, em 1924.
Compositor de alto nível
Como compositor Busoni dominou uma série enorme de formas e estilos. Autor do mais longo e extravagante Concerto para piano e orquestra (uma hora e 20 minutos, tendo ainda a participação de um coro masculino), escrito em 1906, tem obras que realmente valem a pena serem conhecidas pela beleza, ousadia e originalidade. Suas Sonatinas, especialmente a segunda (1912), que revela uma forte relação com o atonalismo e com a liberdade rítmica (não tem indicação de compassos), mostram que Busoni tinha uma mente especialmente aberta. Seu Prelúdio e Estudos em arpejo de 1923 demonstra um fascínio por Debussy e sua ópera inacabada Doktor Faust deixa bem claro que Busoni era muito mais do que apenas um virtuose. Esta obra, cujo libreto é do próprio compositor, é testemunho de um orquestrador refinado, um compositor sofisticado, e um poeta de grande envergadura. Se suas transcrições de Bach se tornaram muito conhecidas até hoje vale a pena lembrar que Busoni realizou transcrições geniais também de obras de Mozart e de Schoenberg. Deste último fez uma transcrição mais “pianística” da segunda das Três peças opus 11. Não mudando uma nota sequer demonstra o respeito que tinha pelo compositor austríaco, discutindo e questionando apenas aspectos instrumentais. Vale a pena lembrar que Schoenberg sucedeu Busoni na cadeira de Composição Musical que Busoni ocupou até sua morte, na Academia de Berlim. Entre os alunos que Busoni teve destacaria Kurt Weill e Edgard Varése.
Uma obra prima
Há uma obra de Busoni, escrita em 1909, que demonstra a grandeza deste músico. Trata-se da Berceuse Elegíaca para orquestra, cujo subtítulo é “Canção de ninar de um homem diante do caixão de sua mãe”. Esta obra, cujo início inspirou o famoso Concerto para violino “Em memória de um anjo” de Alban Berg (1935), foi estreada no último concerto que Gustav Mahler regeu em 21 de fevereiro de 1911. A originalidade da orquestração (cordas reduzidas no agudo e reforçadas nos graves) demonstram um estilo único, longe de Richard Strauss, Schoenberg ou Debussy. Definitivamente uma obra que demonstra um tipo de maturidade que se manifesta de forma altamente individual. Realmente uma obra prima.
Vídeos relacionados:
Um bela execução da Berceuse elegíaca
A mais ousada obra de Busoni, a Segunda Sonatina
O longuíssimo Concerto para piano e orquestra na vertiginosa versão de Marc-André Hamelin