A Inutilidade da postura “mística” dos regentes
O mundo da música clássica está cheio de imagens de maestros em desvarios. Parecem muitas vezes que estão em transe, ou que se aproximam a um orgasmo. Esta imagem ridícula dos maestros a partir da metade do século XX foi muito útil para aumentar o lucro das gravadoras e para inflar o ego de muita gente. Costumo repetir para meus alunos que antes dos belos gestos ou das expressões heroicas é necessário um profundo conhecimento musical, da harmonia, da orquestração, da forma, etc. Gestos bonitos, caras expressivas não servem para nada se não estão a serviço de uma ideia musical. Na história da regência grandes expressões desta arte tinham gestos confusos, mas muitas vezes o resultado musical era absolutamente indiscutível.
O primeiro exemplo que me vem à mente é Wilhelm Furtwängler (1886-1954), o maestro que tornou a Orquestra Filarmônica de Berlim numa das melhores orquestras do mundo. Seu gesto, nos poucos filmes que existem, é inabitual e não seria compreendido hoje em dia na maioria das orquestras. No entanto quem ouve por exemplo uma Sinfonia de Anton Bruckner sob sua regência percebe que o domínio formal e o domínio de andamento eram completos. Nos tempos mais recentes outros dois maestros me vem à mente: o francês Pierre Boulez (1925) e o alemão Nikolaus Harnoncourt (1929). O francês não tem nenhum gesto feito para o público. Sua exatidão em meio a um gestual de uma simplicidade impressionante nos leva ao que realmente importa: sua audição extraordinária e o balanço perfeito entre as diversas vozes da composição que ele obtém. O alemão, um pioneiro na execução de música barroca com instrumentos de época, tem em meio a seus gestos canhestros um poder de passar toda a transparência num texto de Beethoven ou de Schubert. A técnica perfeita de regência se adaptou muito bem num mundo em que, em geral, entre as grandes orquestras, só são realizados dois ou três ensaios para um concerto. Se o maestro não é bem “clarinho” o sistema não funciona. Isto faz com que uma obra do repertório como a Segunda Sinfonia de Brahms acabe soando muito parecida na ação de diferentes batutas. Há alguns anos ouvi em três semanas esta mesma sinfonia de Brahms regida por três estrelas da regência:Lorin Maazel, Zubin Mehta e Seiji Ozawa. Soaram chatas, rotineiras e absolutamente iguais.
Frans Brüggen: O maestro diferente
Frans Brüggen nasceu em Amsterdam em 1934. Com pouca idade tornou-se a maior estrela mundial da flauta-doce e da flauta transversa barroca, e aos 21 anos de idade era professor no Conservatório de Haia. Neste período atuou com os maiores músicos especializados no estilo barroco como o cravista Gustav Leonhardt e o violoncelista Anner Bylsma. Em 1981 ele funda uma das primeiras orquestras em que só se utilizava instrumentos de época, a “Orquestra do século XVIII”. Este grupo notável de músicos se reúne até hoje algumas vezes por ano. São todos músicos excepcionais, e entre eles está um brasileiro: o flautista Ricardo Kanji , ex aluno de Brüggen.
O selo Philips se interessou pelo trabalho de Brüggen e seus músicos e diversas gravações foram realizadas, todas de um nível altíssimo. Até hoje as “Suítes” de Rameau estão entre meus discos favoritos, e creio que a única integral moderna das sinfonias de Beethoven que eu gosto é a que o grupo realizou entre os anos 80 e 90. Acaba de sair uma nova integral das Sinfonias de Beethoven realizada pelo mesmo grupo, desta vez pelo selo Glossa. O nível fica bem próximo da integral anterior. Além de seu trabalho frente à Orquestra do século XVIII Brüggen tem trabalhdo com orquestras que utilizam instrumentos modernos como a Filarmônica de Israel, a Concertgebow de Amsterdam e a Orquestra de Paris. Uma atividade intensa o une também à Radio Kamer Filharmonie, uma orquestra holandes que utiliza instrumentos modernos. Mais recentemente Brüggen realizou leituras maravilhosas das obras para piano e orquestra de Chopin, com os excelentes pianistas (que se utiizaram de pianos do tempo do compositor) Dang Thai Son e Nelson Goerner.
O que Frans Brüggen nos ensina? Ele nos ensina que o essencial na execução musical está na música em si e não no gesto vazio de significado. Frans Brüggen é muito mais do que um maestro. É um sábio. Ele nos faz repensar a atitude e a imagem que parecem ser algo atávico no maesro moderno.
Um blog da “Gazeta do Povo” nos oferece a possibilidade de colocar alguns concertos de Franz Brüggen que estão arquivados no youtube . Antes de Cada um deles vou fazer um pequeno comentário:
Eis um vídeo do jovem Frans Brüggen tocando uma obra de Tellemann à flauta doce. Reparem nos belíssimos acabamentos de frase
Agora um vídeo bem recente, de setembro do ano passado. Frans Brüggen teve um grave câncer de estomago, e isto explica a sua maior economia de gestos. Ele dirige a Radio Kamer Filharmonie, uma orquestra holandesa de câmera com instrumentos modernos. Faz poucos movimentos, mas reparem como a concepção da obra é coesa, e como os músicos passam uma energia que parece destoar com um homem fragilizado pela doença. O entusiasmo da orquestra é contagiante. A obra é a menos conhecida das Sinfonias de Beethoven, a segunda.
Agora algo que arrepiará aqueles que defendem uma técnica perfeita. Num concerto com a Orquestra do Século XVIII captado no Japão, Brüggen rege a Quinta Sinfonia de Beethoven. É ver e ouvir para crer!!!!!
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