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Garcia Lorca, o músico.Manuel de Falla, o humilde.

Garcia Lorca ao piano, em sua casa em Granada (Foto: )
Huerta de San Vicente. Desta casa em Granada Garcia Lorca saiu para ser assassinado

Huerta de San Vicente. Desta casa em Granada Garcia Lorca saiu para ser assassinado

Em recente visita à cidade de Granada, na Espanha, tive a alegria de realizar um antigo sonho: visitar a última residência de Federico Garcia Lorca e a última casa na Espanha de Manuel de Falla. A guerra civil espanhola foi determinante na vida destes dois grandes artistas: Garcia Lorca, o mais importante escritor espanhol de seu tempo, foi barbaramente assassinado em 1936 pelo exército comandado pelo “Generalíssimo” Franco, e Manuel de Falla, o mais importante compositor espanhol do século XX, muito amigo de Garcia Lorca, se exilou na Argentina no final dos anos 30, nunca mais voltando à sua pátria.

Garcia Lorca ao piano, em sua casa em Granada

Garcia Lorca ao piano, em sua casa em Granada

Garcia Lorca, o músico

Federico Garcia Lorca foi um dramaturgo de mão cheia. Além de sua “trilogia” genial, formada pelas conhecidas peças “Bodas de Sangue”, “Yerma” e “A Casa de Bernarda Alba”, escritas entre 1933 e 1936 (ano de sua morte) foi também autor de obras altamente experimentais como a peça “El publico” de 1933. Autor de poemas belíssimos, pouca gente sabe que ele também era um excelente músico. Em sua biografia do escritor, lançada há muitos anos em português pela Editora Globo, o historiador Ian Gibson nos narra com detalhes a formação musical do poeta. Com pouca idade ele estudou violão e piano, e foi aluno de harmonia de um discípulo de Verdi (Don Antônio Segura). Como pianista chegou a executar obras complicadas, como certas Sonatas de Beethoven. É evidente que sua prioridade acabou sendo o teatro e a poesia, mas ao visitar sua residência na “Huerta San Vicente” pude ver um belo piano, que foi utilizado com frequência pelo artista. Musicalmente falando o trabalho de Lorca foi essencialmente o de coletar canções folclóricas, harmoniza-las, sobretudo canções cujo texto, muitas vezes anônimos, continham fortes elementos sociais, sintonizados com os ideais do poeta. Pessoas excluídas como os ciganos e os miseráveis, e expressões autenticas de grande simplicidade de pessoas do povo, foram alvo da atenção de Garcia Lorca, e neste aspecto o escritor espanhol se aproxima de importantes músicos ativos em sua época na mesma direção, mas em outros países: Béla Bartók no leste europeu e Heitor Villa-Lobos no Brasil. Aliás, nosso maior compositor escreveu uma ópera sobre a Yerma de Lorca, que utiliza a peça original como base de seu libreto, escrito em língua espanhola. Quanto a ele ao piano existe um registro fonográfico muito bom, realizado em 1931, em que podemos ouvir Garcia Lorca ao piano, acompanhando sua grande amiga Encarnación López, “La Argentinita”, que canta, toca castanholas e sapateia, em canções editadas e harmonizadas pelo escritor. Durante minha visita à casa de Lorca ouvia internamente os sons desta antiga gravação durante todo o tempo. Ao ver sua escrivaninha, onde escreveu suas peças mais conhecidas, e ouvindo internamente ele ao piano, mal pude conter minhas lágrimas.

Interior da Casa Museu Manuel de Falla, em Granada. Simplicidade absoluta

Interior da Casa Museu Manuel de Falla, em Granada. Simplicidade absoluta

Manuel de Falla, o humilde

O compositor Manuel de Falla adotou a cidade de Granada em 1921, permanecendo aí até sua partida para seu exílio no final dos anos 30. Nos primeiros anos viveu numa casa que não existe mais, próxima à Plaza Nueva. Sua residência ocupada entre 1923 e 1939 situa-se próxima a “La Alhambra”, numa região alta da cidade com uma bela vista da “Sierra Nevada”. Visitar esta casa, que mantem os objetos pessoais do músico nos exatos lugares utilizados por ele e por sua irmã, María del Carmen de Falla, companheira fiel do compositor até sua morte na Argentina, foi das coisas mais impressionantes que já vi. Ao contrário da casa de Garcia Lorca, a casa de Manuel de Falla está exatamente do jeito que ele deixou ao abandonar a Espanha, isto porque os amigos do músico antes de retirarem e guardarem os móveis, com temor que os falangistas os destruíssem, fizeram um mapeamento de cada objeto em cada cômodo. Quando, anos depois, a prefeitura de Granada tombou o imóvel tudo o que tinha dentro antes voltou para o exato lugar onde estava. Lá está, perfeitamente afinado, o piano Pleyel de armário escolhido pelo próprio compositor, a escrivaninha em que compunha, sua cama que mais se assemelha a um catre de um monge e suas pinturas, inclusive uma gravura chinesa

A gravura chinesa que De Falla ganhou de Debussy

A gravura chinesa que De Falla ganhou de Debussy

que lhe foi presenteada por Claude Debussy.

No jardim da casa do compositor:  da esquerda para a direita: Francisco García Lorca (irmão do poeta), Antonio Luna, Carmen de Falla (irmã do compositor), Federico García Lorca, Wanda Landowska (cravista), Manuel de Falla e José Segura

No jardim da casa do compositor: da esquerda para a direita: Francisco García Lorca (irmão do poeta), Antonio Luna, Carmen de Falla (irmã do compositor), Federico García Lorca, Wanda Landowska (cravista), Manuel de Falla e José Segura

Simplicidade

A simplicidade desta casa, simplicidade esta que me impressionou bastante, acabou influenciando a obra do mestre. Das três maiores obras compostas nesta casa, o Concerto para cravo e cinco instrumentos, Psyché (obra para canto e pequeno grupo de instrumentos) e “El retablo de maese Pedro” (pequena ópera para marionetes) o intimismo é uma marca constante. Manuel de Falla, um católico fervoroso e extremamente caridoso, vivia nesta simplicidade pois ela estava absolutamente de acordo com sua forma de pensar. Estas obras que citei estão longe da maneira impressionista de ver a Espanha. Pela fé e pela maneira de levar sua vida De Falla acabou encontrando a verdadeira maneira de compor num estilo espanhol verdadeiro. Vale a pena lembrar que quando Manuel de Falla vivia na Argentina o governo de Franco se ofereceu a enviar-lhe uma pensão e seus direitos de autor. O compositor disse que só aceitaria se o mesmo fosse feito com todos os exilados, compositores, escritores ou pintores. O governo espanhol não aceitou o que o músico propôs, o que o fez quase que passar fome nos últimos anos de sua vida. A coerência entre o modo de vida e as atitudes fazem com que De Falla, que morou em tão modesta residência, torne-se um gigante em termos morais.

Exemplos em áudio e vídeo

Garcia Lorca e “La argentinita” executam Nana de Sevilla

“Este niño chiquito no tiene mare, ay; no tiene mare, sí; no tiene mare, no: no tiene mare, ay. Lo parió una gitana, y lo echó a la calle, ay. Lo echó a la calle sí; lo echó a la calle, no: lo echó a la calle, ay. Este galapaguito no tiene cuna, ay; no tiene cuna, sí; no tiene cuna, no: no tiene cuna, ay. Lo parió una gitana, y lo echó a la calle, ay. Lo echó a la calle sí; lo echó a la calle, no: lo echó a la calle, ay.”

Federico García Lorca e La Argentinita: Las Tres Hojas . Show de piano, canto, castanhola e sapateado.

Obras primas de Manuel de Falla compostas em Granada. Concerto para cravo e cinco instrumentos

Psyché

El Retablo de Maese Pedro. Vídeo maravilhoso regido por Charles Dutoit. Cantores e marionetes excepcionais

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