Falecida há exatos 40 anos, Maria Callas continua uma presença marcante no mundo da ópera. Nenhuma outra cantora lírica tem esta aura de imortalidade como esta fenomenal artista que nasceu em Nova York em 1923 de pais gregos e que morreria em Paris aos 54 anos. Sua história pessoal parece mesmo se plasmar com a história trágica das personagens que incarnou em sua curta e marcante carreira, antecipando os inúmeros sofrimentos que viveu. Sua calamitosa história de amor com o milionário grego Aristoteles Onassis faz com que ouçamos os suspiros de Violeta Valery de “La traviata” de Verdi de uma maneira ainda mais verdadeira. A frustração de Norma (de Bellini) ao ver seu amado Pollione se casando com outra mulher pode até mesmo ser transposta para o sofrimento que ela viveu quando Onassis, que era seu amante e sem dar satisfação alguma a ela, se casou com Jackeline Kennedy. A própria frase da personagem título de “La traviata” – “Só, abandonada, neste deserto cheio de pessoas que chamam de Paris” – parece antever o cenário de sua solitária morte na capital francesa. Callas vivia o drama de Tosca, Norma, Lucia de Lammermoor e de Madama Butterfly de forma tão intensa que, para nós, os sofrimentos se misturam, os das personagens para os da Diva.
Uma lacuna enorme vem do fato de não haver um vídeo sequer de uma ópera completa com Maria Callas. Ela, que foi além de cantora uma consumada atriz, marcou época e influenciou o teatro lírico que não viria mais a se contentar com uma bela voz que fosse cênicamente inexpressiva.
Se lamentamos o fato das memoráveis atuações integrais de Callas nunca terem sido filmadas (com exceção de apenas o segundo ato da Tosca em Paris e Londres e alguns concertos com orquestra, documentos indispensáveis), muitas delas foram gravadas em áudio. O triste é que estas gravações são pífias do ponto de vista técnico-acústico, e nos fazem apenas imaginar o que se passava em termos cênicos e também musicais. O selo Warner Classics, para marcar os 40 anos da morte da artista, tenta diminuir o estrago destas gravações ao vivo precárias do ponto de vista técnico. Utilizando uma tecnologia avançada lança hoje “Maria Callas: live & alive”, uma seleção dos momentos culminantes dos grandes momentos da carreira da artista captados em récitas históricas, e cuidadosamente remasterisadas.
Duas seleções um pouco diferentes: uma em 2 CDs e outra em um LP. A escolha acertou em cheio: a Tosca de Londres de 1964, a última produção que a cantora participou, numa gravação pouco conhecida (com o tenor Renato Cioni e regência de Carlo Felice Cillario). A Traviata de Lisboa, de 1958, com um “Adio del passato” de fazer até uma pedra chorar. A Lucia de Lammermoor de 1955 em Berlin, regida por Karajan, e tem mesmo aquele fenômeno do final do segundo ato de Aida numa récita no México (1951), quando ela, com raiva do sucesso do tenor Mario del Monaco canta um inacreditável Mi bemol super- agudo no final do ato encobrindo coro, solistas e orquestra. Além disso trechos de Norma (Bellini), Anna Bollena (Donizetti), Parsifal (Wagner, em italiano…), Ifigênia in Tauride (Gluck) e Poliuto (também Donizetti). Todas as seleções, como já disse, extraídas de gravações “piratas” feitas ao vivo. Como Bonus “In questa reggia” de Turandot de Puccini gravada em estúdio em Londres.
Este não é nem o primeiro e nem será o último lançamento discográfico enfocado no legado de Callas. Callas é daqueles mitos, como Billie Holiday e Judy Garland, cujas vidas destroçadas tornam suas performances mais reais do que a própria realidade. Neste aspecto as três são imortais.