Um acontecimento, discretamente comentado na imprensa europeia, adquiriu uma importância considerável depois do atentado ocorrido em Paris no último dia 7 de Janeiro, quando na redação e nos arredores da publicação “Charlie Hebdo” 12 pessoas foram mortas por terroristas islâmicos. O que ocorreu deu-se no dia 3 de outubro do ano passado, na Opéra Bastille, a maior sede da Ópera de Paris. Vale a pena conferir passo a passo o que ocorreu.
Naquela noite aconteceria mais uma récita de La Traviata, de Verdi, uma das óperas favoritas do público que gosta do gênero lírico. Quando a obra começou, durante o Prelúdio, pouca gente notou que havia na primeira fila um casal, que ficou se sabendo depois, que eram turistas vindo de um país do Golfo Pérsico. O homem, trajado de roupas tipicamente árabes e a mulher com uma burka, ou como se diz por lá, um “niqab”, uma vestimenta que esconde totalmente a mulher, e deixa de fora apenas os olhos. Quando terminou o Prelúdio a cena descrevia uma festa na qual estavam Violetta Valéry (que estava sendo cantada pelo soprano albanesa Ermonela Jaho) e Alfredo Germont (que estava sendo interpretado pelo tenor espanhol Ismael Jordi). O grande coro, pôde perceber aquela mulher logo atrás do maestro com aquela curiosa vestimenta. O problema é que um pânico se instalou no coro pelo fato do maestro daquela récita ser um israelense, Dan Ettinger. Depois do famoso “brindisi” o coro sai de cena e deixa no palco apenas o par romântico. Foi durante o dueto de amor que a confusão se formou. O Coro ameaçou não continuar, e dizia para a segurança que era muita coincidência aquela mulher vestida daquela maneira bem atrás do maestro israelense. Sem o público saber, uma força policial foi armada, e em segredo foi entregue um bilhete ao maestro dizendo que havia um problema mas para que ele não parasse de jeito algum. De forma bem discreta, um policial à paisana foi até o casal, que tinha pago exatamente 231 euros por cadeira, e alertou que a mulher, se quisesse assistir a ópera, teria que tirar o tecido que cobria sua cabeça. O marido retrucou que a vestimenta era uma peça única. A pequena discussão alarmou quem estava sentado ao lado (e que tinha também pago os tais 231 euros). O marido e a mulher depois de uma breve conversa em árabe se retiraram. Não houve ressarcimento dos ingressos.
O que a imprensa discutiu na época é como os funcionários do Teatro permitiram que uma mulher entrasse no recinto usando uma vestimenta proibida em lugares públicos na França desde 2010. Como o controle não funcionou? O que se soube a posteriori é que o casal comprou os ingressos através de um “concierge” de um dos mais luxuosos hotéis da capital francesa, e que o marido era um milionário que atua na área petrolífera.
O que se percebe em todo este fato é que a histeria foi provocada pelo coro, que via o maestro israelense correndo risco de vida. Uma histeria que poderia ser encerrada 20 minutos depois, quando o Primeiro Ato termina, e quando o casal poderia ser convidado a se adequar ou se retirar. Fica claro o pânico em que se vive por lá, pânico num certo sentido justificado, tendo em vista o atentado que aconteceu três meses depois. Mas tenho certeza que tal fato, se contecesse depois de 7 de janeiro, teria contornos ainda mais escandalosos. Copio aqui o final da matéria sobre o evento no exemplar de Dezembro da revista Diapason: “O ocorrido não questionou o que o casal chegou a pensar da mulher sem véu, Violetta Valéry, uma “mulher mundana” que se colocou a serviço das leis e dos desejos dos homens.” Sábias palavras. Não é apenas o “niqab” que oprime as mulheres.
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