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Imagens de dois grandes músicos chantageados pelos nazistas

Flagrante da chantagem feita a dois grandes músicos: Pavel Haas e Karel Ančerl (Foto: )
Flagrante da chantagem feita a dois grandes músicos: Pavel Haas e Karel Ančerl

Flagrante da chantagem feita a dois grandes músicos: Pavel Haas e Karel Ančerl

Um pequeno trecho de um filme de propaganda nazista expõe dois grandes músicos numa situação única na história da música. O filme de propaganda nazista tem o título de “O Führer dá uma cidade aos judeus”. Foi um documentário feito pelos alemães em 1944 no campo de concentração de Terezin na atual República Tcheca. Em Terezin uma parte considerável da elite intelectual de tchecos de origem judaica foi feita prisioneira, e entre eles alguns músicos de grande renome e reputação como o compositor Pavel Haas (1899-1944) e o maestro Karel Ančerl (1908-1973). O filme pretendia mostrar ao mundo uma imagem bem positiva dos campos de concentração, e foi rodado sob a direção de um cineasta de origem judaica, Kurt Gerron (1897 –1944), e foi feito como uma resposta à Cruz Vermelha que denunciava as atrocidades cometidas pelos nazistas. O filme foi rodado em 11 dias em setembro de 1944, mas não chegou a ser muito difundido por causa da intensificação da guerra e pela derrota da Alemanha alguns meses depois. Nos trechos preservados do documentário vemos pessoas bem vestidas, homens elegantes com gravatas borboleta e mulheres com penteados exuberantes. Além disso, uma partida de futebol e um concerto com uma orquestra composta de prisioneiros com uma composição escrita no campo de concentração e regida por um grande maestro. Vamos esmiuçar um pouco estas imagens do documentário. De quem é esta música? A obra é de Pavel Haas: Estudo para orquestra de cordas.

O compositor tcheco Pavel Haas

O compositor tcheco Pavel Haas

Esta bela composição foi escrita no campo de concentração de Terezin em 1943 para ser executada por um grupo de prisioneiros que eram instrumentistas de cordas. Sabe-se que Haas quando foi feito prisioneiro ficou num estado de profunda depressão, causada principalmente pelo seu divórcio feito na tentativa de salvar sua mulher e sua filha. Os músicos prisioneiros o entusiasmaram a compor algo, e ele chegou a esboçar até uma Sinfonia, mas realmente as obras mais importantes que ele escreveu enquanto prisioneiro foi este Estudo para cordas e as Quatro Canções sobre poemas chineses (traduzidos para o tcheco), que são uma espécie de lamento por seu país invadido (citações do Coral de São Nicolau, melodia patriótica tcheca) e por sua morte iminente. E quem foi o maestro que aparece no documentário? É Karel Ančerl, maestro de grande renome nas décadas de 50 e 60. Homem combativo foi diretor musical da mais prestigiosa orquestra de seu país, a Filarmônica Tcheca, de 1950 a 1968. Revoltado com a invasão russa a seu país em 1968 emigrou para o Canadá onde faleceu em 1973. Nos trechos remanescentes do documentário constatamos o seguinte: a regência do maestro tcheco é impecável, os músicos excelentes (a obra é bem difícil) e a composição brilhantemente estruturada. Os nazistas apesar de serem assassinos cruéis e indiferentes ao sofrimento alheio eram espertos. Os nazistas chantagearam Ančerl com falsas promessas de que poupariam sua mulher e seu filho, prisioneiros no mesmo campo de concentração. Alguns dias depois de terminarem a filmagem Kurt Gerron (o diretor do filme), Pavel Haas e Karel Ančerl foram deportados para Auschwitz. Este último junto a sua esposa Valy e seu filho Jan, que nascera em Terezin.

O campo de concentração de Terezin

O campo de concentração de Terezin

Mostrando o lado cruel dos nazistas o cineasta, o compositor, a esposa e o filho do maestro foram mortos em câmeras de gás, e o maestro sobreviveu por uma razão que nem mesmo ele soube qual foi. Mais algumas tristes histórias do holocausto, e que afetaram a vida de grandes músicos. Esta fotografia (do compositor, forçado a agradecer os aplausos) e este filme de propaganda enganosa nos faz refletir sobre os regimes, que ainda hoje se utilizam de grandes artistas a seu bel prazer. Vale a pena lembrar que a maioria das pessoas mostradas no documentário viriam a ser assassinadas pouco tempo depois.

O incrível ciclo de quartetos de Pavel Haas

Nas últimas semanas tomei conhecimento de forma mais profunda dos três Quartetos de cordas de Pavel Haas, e confesso que fiquei maravilhado. Através de amigos que moram no exterior consegui as partituras e ouvi as composições na maravilhosa interpretação do Quarteto Pavel Haas, que os gravou junto aos dois quartetos do professor de Haas, Leoš Janáček (1854-1928). O Quarteto Nº 1, em um único movimento, é uma composição que apesar de sua brevidade é extremamente profunda. Obra de 1920 antecede em termos cronológicos os quartetos do mestre do compositor. O Quarteto Nº 2 nos apresenta uma linguagem moderna, alegre e pessoal com a grande novidade de incluir uma opção para instrumentos de percussão no movimento final. O subtítulo “Nas montanhas de macacos” se refere a algumas colinas que se localizam na Morávia, região tcheca. O Quarteto Nº 3, bem mais expressionista, é uma obra de 1938, pouco antes da invasão nazista. Obra séria parece refletir a guinada que se daria na vida do autor. A evolução estilística do compositor foi tristemente abortada com a segunda guerra mundial, e por estes três magníficos quartetos pode-se imaginar o quanto perdemos.

O grande maestro tcheco Karel Ančerl

O grande maestro tcheco Karel Ančerl

Karel Ančerl: grande músico, grande Homem

Quando vemos um grande maestro como o russo Valery Gergiev apoiar um político autocrático como o presidente de seu país, Vladimir Putin, e auferindo vantagens disso, nada como saber que grandes músicos tiveram compromisso com a ética. Karel Ančerl era visto pelos comunistas da então Tchecoslováquia como um herói de guerra por ter saído vivo do holocausto. Apesar do maestro nunca ter feito parte do partido comunista, e não esconder suas reservas ao governo acreditava que seu trabalho era importante para a manutenção da cultura de seu país. Grande intérprete das obras de seus conterrâneos (Janáček, Dvořák, Martinu, Smetana) foi um grande intérprete de Mahler de Alban Berg e de Brahms. Inconformado com a situação de seu país em 1968 demitiu-se da Orquestra Filarmônica Tcheca e emigrou para a América do Norte. No período em que atuou no Canadá (1969-1973) fez algumas gravações excelentes inclusive com o excêntrico pianista canadense Glenn Gould (1932-1982).

Vídeos relacionados ao texto

O vídeo a que me refiro. Encontrei no youtube este trecho do documentário “O Führer dá uma cidade aos judeus”. Aos 2:12 uma breve imagem de Pavel Haas agradecendo os aplausos. Aos 0:25 a elegante regência de Karel Ančerl.

A obra “Estudo para cordas” em sua forma integral na bela execução do maestro tcheco Jiří Bělohlávek frente à Orquestra de Câmera de Praga

O primeiro movimento do Quarteto Nº 2 de Pavel Haas. Interpretação do Quarteto Pavel Haas

Karel Ančerl em seu último concerto com a Filarmônica Tcheca, semanas antes da vergonhosa invasão do Pacto de Varsóvia em 1968. O Moldávia de Smetana.

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